Lucas 17/03/2014
Refugiado de si próprio
Já posso dizer que Remarque é um grande companheiro, parceiro de longas e agradáveis conversas, mas também de silêncios perscrutadores da alma humana. Mesmo abrindo mão da narrativa em primeira pessoa e no tempo presente - recurso que utiliza em "Nada de novo no front" e "O obelisco negro", os dois outros romances que li - nada se perde da força e da verdade de seus personagens. Saber ouvir, para então contar. Saber narrar. Saber viver. Remarque segue a tradição de sábios literatos alemães - Goethe, Hesse, talvez Mann - mas trabalha o texto com mãos ágeis, embora firmes, o que o torna próximo aos narradores norte-americanos modernos - penso em Mailer, Kerouac, Easton Ellis, McInerney. Seus personagens decadentes, indo de bar em bar, vagando por Paris no caso deste romance, talvez sejam análogos aos da chamada "geração perdida", cujo centro na cidade-luz teve seu expoente em Hemingway. Por outro lado, sem se deixar levar pelo desespero e pela degradação moral, torna-se um adorável filósofo moralista, que não nega nunca a contradição, mas que alimenta uma vigorosa fé na vida. Não há algo de Heidegger e de Nietzsche aqui? Não há algo de Mozart tocando no ar claro das manhãs, aquecendo o ar mais obscuro da madrugada de baixos bachianos? Desse solo germânico, tão fértil e poderoso, foi obrigado a exilar-se. Teve de forçosamente ficar ainda mais parecido com os norte-americanos, ao ponto de passar a escrever na língua inglesa. E nós, leitores, somos obrigados a refletir: como isso foi acontecer? De que forma chegou-se a tal ponto? Não é possível evitar as mais desagradáveis questões diante de Remarque. Sua fé na vida é maior do que seu ceticismo. E eu, que não tenho nada que ver com esta história, me pergunto: por que é que vivo uma vida de refugiado de mim mesmo?