Henrique 21/11/2018
Recentemente tem se tornado moda o que se convencionou a chamar de "auto-ficção", mas o que Knausgard faz é tornar essa auto-fabricação de si um processo atmosférico e vergonhoso. Não há congratulações, não há certezas- mas ambientes, rurais ou urbanos, que se estendem enquanto narrativa contínua, eliminando a fronteira explícita entre "dentro" e "fora", "memórias" e "invenções".
Karl Ove Knausgard segue um caminho em que principalmente as marcas, as cicatrizes, narram. Neste livro, Knausgard impregna todos os atos com um ritmo acelerado, como se eles sempre distanciassem o eu-lírico do mundo em uma casta de solidão.
Algumas alusões evocam paisagens grandiosas que não anulam um sentimento de ser uma pessoa fundamentalmente ruim. Tudo é exposto. As referências aos mais diversos lugares ampliam, como um microscópio, o desenho de uma figura desconfortável por estar no mundo, que sempre imagina uma fuga ou, mais frequentemente, tem fantasiosos delírios suicidas.
Kausgard discutiu todo o seu constrangimento. Falando de vergonhas físicas e psicológicas, esmiuçando cada situação embaraçosa. Há certamente o encontro desta decadência pessoal com várias e deslumbrantes paisagens, exibindo como o mundo comporta e aceita todas as coisas.
Falando dessas coisas, o mundo da escrita se revela tanto como o da sofridão quanto o da liberdade mais preciosa. As cabanas nos bosques, as ilhas, a boemia estudantil- tudo é teatro de um encontro entre o "eu" mais profundo como uma superficialidade delirante e complexa.
Finalmente, a escrita pulsa vida, mesmo quando não sabe como ou quando deveria pulsar, ou em qual direção seguir. Próximo ao fim, somos deixados com um mundo de despedidas que não param de conjurar enquanto nossos corpos transitam. Depois, a morte.