Henrique Fendrich 28/11/2022
Inicialmente, a leitura desses contos em sequência me fez questionar o próprio formato de livros de contos. Pois os contos eram tão bem escritos, tão fortes e significativos que a impressão que eu tinha era a de seria preciso ter um espaço maior entre a leitura de um e de outro, sob pena de fazer o conto anterior submergir no fascínio do conto seguinte. Os contos desse livro, pensava eu, mereciam uma leitura isolada, com tempo suficiente para refletir a respeito deles (e há mesmo muito o que refletir em cada uma dessas histórias). Fiquei pensando então que seria melhor que cada conto constituísse um livro próprio, o que faria de Chimamanda uma autora bastante profícua, capaz de manter um alto índice de qualidade.
Embora eu não tenha descartado totalmente essas ideias, a continuidade da leitura me fez pensar na grande felicidade que é ter um punhado de contos como esse reunidos em um mesmo volume. E, se é verdade que a leitura em sequência dessas histórias "enfraquece" as impressões do conto anterior, então talvez seja o caso de manter esse livro na cabeceira e reler, reler seguidamente essas histórias, até que a especificidade de cada uma fique bem gravada na memória, e com isso as reflexões que elas provocam sejam aprofundadas.
São histórias realmente marcantes, caracterizadas por dramas sociais, sentimentais, existenciais. Há as convulsões políticas na Nigéria, os conflitos culturais e religiosos em um continente que por muito tempo serviu de explorações para as ditas nações civilizadas, mas há também os desafios de uma adaptação de certa forma forçada aos Estados Unidos. O meu conto favorito no livro é um que reúne um pouco disso tudo, "A embaixada americana", que tem a violência, tem os dramas pessoais e tem a tentativa de refúgio nos Estados Unidos. O conto seguinte, "O tremor", também aborda muito bem essas características, às quais se soma a da religião e uma interessantíssima associação entre fiéis e homossexualidade.
À essa altura do livro, já estamos totalmente entregues ao estilo de Chimamanda, mas ainda recebemos pequenas obras-primas como "Os casamenteiros", que capta justamente o conflito dos africanos em sua diáspora nos Estados Unidos e como isso se reflete nos seus relacionamentos amorosos. A autora alterna vozes entre os contos, mas em todos mantém uma admirável limpidez de linguagem e, quando a gente pensa que apenas as histórias modernas são objetos de sua preocupação, ela ainda apresenta como último conto um que trata da trajetória de antigas famílias africanas e como isso afeta o "ser africano" atualmente, em uma bonita e necessária defesa em face das perversões promovidas pelos colonizadores.
Em um ou outro conto, achei que o término foi meio abrupto, isto é, eu chego ao final e me pergunto "ué, mas já acabou?", mas isso é pouco perto do grande brilho dessas histórias. Já li também "Hibisco roxo", que achei igualmente extraordinário, e a mim me parece que o hype em cima da Chimamanda é ainda mais justificável para um Nobel de Literatura do que no caso do Murakami. É uma escritora fascinante e é bom que os leitores não se atenham aos seus romances, mas busquem também seus contos - e os leiam com tempo, repetidas vezes.