Betinha 10/01/2018Intenso e deliciosoEu demoro sempre vários dias para escrever depois de um livro assim. Fico navegando pelas sensações que ele desperta, pelas lembranças dos personagens e tentando acomodar o desconforto desencadeado por algumas histórias.
Em “No seu pescoço”, Adichie reúne 12 contos sobre nigerianos morando na Nigéria, nos Estados Unidos, em aldeias e em cidades, de diferentes etnias e com distintos graus de instrução. Nessa diversidade de histórias, ideias e personagens, o que se destaca é a sensibilidade da autora ao apresentar questões políticas, sociais, preconceito racial e diferenças de gênero, além da habilidade em representar pessoas complexas e incrivelmente cativantes.
Esse é o caso de Chinedu, do conto “O tremor”, um nigeriano que se oferece para rezar com sua vizinha ao saber que um avião caiu na Nigéria. Também nigeriana e morando sozinha nos Estados Unidos, Ukamaka está angustiada porque seu ex-namorado poderia estar no avião. A partir desse encontro, Ukamaka conta a Chinedu sobre seu longo relacionamento que terminou e, gradativamente, descobre um pouco sobre a vida desse homem simples e gentil.
"“Acabei de lembrar que já vi você no ônibus uma vez. Eu sabia que era africano, mas achei que podia ser do Gana. Parecia gentil demais para ser nigeriano.”
“Quem disse que sou gentil?”, perguntou Chinedu, rindo."
Depois de muitos encontros Chinedu começa a falar sobre sua vida. Pra mim foi impossível não me apaixonar por esse personagem. Queria adiar o final do conto e saber como seria a vida dos dois depois daquela última conversa.
“Jumping Monkey Hill” é o meu conto preferido desse livro. É, também, a história que sintetiza o que sinto ao ler as obras de Chimamanda. Ujunwa, a personagem principal, é escritora e está participando de um Workshop para escritores africanos, no qual cada escritor produzirá um conto, que será analisado pelos demais participantes.
O conto intercala fatos da vida de Ujunwa, trechos de seu conto e acontecimentos durante sua estadia no resort Jumping Monkey Hill. O que parece corriqueiro revela preconceitos e machismo, numa narrativa muito fluída.
"Nunca é exatamente assim na vida real, não é? As mulheres nunca são vítimas dessa maneira tão grosseira, e certamente não na Nigéria. A Nigéria tem mulheres em posição de poder. A ministra mais importante do gabinete é mulher."
Em primeiro momento, não é a história mais impactante. “A embaixada americana” e “Uma experiência privada” são histórias muito mais trágicas e chocantes. Contudo, foi impossível não pensar em Ujunwa durante vários dias. O que mais me agrada nessa história é a crítica sutil às violências cotidianas que as pessoas sofrem por serem quem e como são.
Como sempre acontece com os livros da Chimamanda, terminei a leitura com uma tristeza profunda e o livro ficou cheio de post-its em passagens para reler posteriormente.
Encerro essas breves reflexões com um trecho do conto “A historiadora obstinada”, que reflete muito dos meus dias pós-leitura. Até a próxima!
"Grace refletiria sobre isso durante um longo tempo, com grande tristeza, e, por causa desse ocorrido, veria com clareza a ligação entre educação e dignidade, entre as coisas duras e óbvias que são impressas nos livros e as coisas suaves e sutis que se alojam na alma."
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