Ludmilla Silva 21/06/2020 “They were both people who carried every scrap of everything around, but maybe they could help each other set things down, piece by piece.”Acredito importante começar essa resenha comparando este segundo volume com o primeiro: “Crave a Marca”. E devo admitir que prefiro o primeiro, justamente pelo foco principal ser em Akos e Cyra; em Ryzek; e no perigo iminente daquele mundo tão novo e diverso. Gosto bastante de como o primeiro livro nos apresenta os protagonistas, nos faz amá-los e nos preocupar com eles a todo o instante. No primeiro livro ainda há muita confusão sobre o universo, porque pelo menos para mim, foi bem difícil compreender todos os planetas, pessoas e divisões assim no início, mas de forma geral o enredo do primeiro foi bem descomplicado, porque havia basicamente um objetivo. O segundo livro: “The Fates Divide”, já apresenta mais camadas complexas que se sobrepõem as outras. Não que este fato seja ruim, até porque amei bastante o livro, só ressalto que se comparado ao primeiro senti um pouco de complexidade e distanciamento dos protagonistas. Dei uma nota de 4,0/5,0 para este, pois senti que em alguns momentos a autora estava perdida e não sabia muito bem o que fazer com o Akos e Cyra, e isso me distanciou bastante deles, pois no primeiro era como se estivéssemos imersos dentro da cabeça e das decisões dos dois, neste eu nem sempre senti isso, às vezes tentavam entender o que se passava na cabeça deles e, porque estavam tomando aquelas atitudes. Mas de forma geral, ignorando algumas críticas pontuais, eu gostei bastante e senti uma evolução incrível do enredo e do universo.
Em relação à narração da história e pontos de vista este segundo livro difere do primeiro, pois além da narração conjunta do Akos e Cyra apresenta também a narração de Eijeh e Cisi. Para mim a narração do Eijeh (mesmo que aparecendo poucas vezes) não fez sentido algum, na verdade, esse personagem na totalidade não faz sentido para mim. No primeiro livro descobrimos que o Ryzek se utilizava de seu dom para trocar as memórias com Eijeh e no final era como se às duas entidades vivessem em um corpo só. Acreditei que ficou muito mal explicada a relação deste personagem porque a princípio você fica se indagando porque ele está tão estranho assim, se é por Ryzek, por outra coisa. Para mim isso só ficou claro no meio do livro e o personagem NUNCA fez nada de relevante para a história. A autora colocou o Ryzek dentro do corpo do Eijeh só para este último ficar perturbado e se distanciar da família, foi basicamente isso, porque eu via muito potencial no personagem e ele nunca fez nada relevante. Os capítulos dele, como oráculo, tentando ver o futuro era extremamente confuso e sem sentido. Eu não gosto do Eijeh, nunca gostei, penso que ele tinha muito potencial, mas a autora não soube utilizá-lo então o personagem para mim, é um elo fraco no livro. A Syfa julgo que é uma personagem até bem trabalhada, mas nós não conseguimos pegar carinho nem empatia por ela, ela só está lá existindo, não tenho críticas quanto a ela justamente porque às vezes esquecemos da existência da mesma.
Em contradição a estes dois personagens da família Kereseth temos a Cisi, e temos capítulos narrados por ela. E digo, sem dúvidas alguma que ela é a melhor parte do livro. A personagem é muito bem construída, tem um dom da corrente intrigante e ainda está inserida em um núcleo bastante interessante. A Cisi é uma personagem bastante empática, que sempre está pensando no próximo independente de ser um povo que ela odeia ou não. Ela é basicamente a figura da diplomata, sempre mantendo a pose e visando a negociação, a estratégia e o melhor resultado para todos os envolvidos. É claro que muito disso também vem do seu dom da corrente que a impede de mostrar seus verdadeiros sentimentos para as pessoas, no entanto, mesmo com esse bloqueio e limitação você percebe o quão a personagem é incrível. Ela está no núcleo da Isae, a irmã de Ori e atual Chanceler. Confesso que ainda não descobri meus sentimentos pela Isae, só sei que não a odeio, mas também não a amo. Tenho muita empatia e apego por ela, na verdade, ela é uma menina que sofreu muito na vida por isso tem esse de ar de antipática e fria, e esta última às vezes me distancia da personagem porque ela toma atitudes (nem sempre visando o bem maior) que me faz ter raiva e frustração. Por isso amo muito ela estar com a Cisi, porque elas são exatamente o oposto. A Cisi é basicamente um contraponto a ela e as suas atitudes impulsivas e impensáveis, ela faz a Isae se acalmar, se afastar e repensar novamente. Ela a faz se sentir segura e bem consigo mesmo e ser uma pessoa melhor. Por isso elas se dão tão bem, inclusive romanticamente - um casal perfeito, shippo muito e sou feliz que se casaram. Esse foi sem dúvidas o meu núcleo favorito por ter personagens bem construídos e bem desenvolvidos, por ter um relacionamento romântico simples e descomplicado e por se conectar tão bem com o enredo principal.
Amo bastante os protagonistas: o Akos e a Cyra, mas confesso que em muitos momentos a autora se perdeu quanto a contextualização do relacionamento dos dois. Depois de um livro todo se abrindo para Akos a Cyra finalmente entendeu que também pode ser amada e finalmente o deixou entrar... apenas para no começo deste segundo livro ela começar a se questionar sobre tudo inclusive sobre o amor de Akos (que já era algo praticamente estabelecido). Entendo que é difícil estar na posição de Cyra, ter nascido em uma família sanguinária, ter sangue e dores nas mãos, e sempre se sentir conectada com horrores e morte, então sim é comum ela se questionar a respeito de si mesmo e das pessoas ao seu redor, mas não senti no livro que essa foi uma atitude condizente, e que os personagens agiriam daquele modo, foi mais uma estratégia literária para separar os personagens e narrar dois pontos de vista diferente. Porque realmente na minha cabeça essa ruptura inicial do relacionamento não fez sentido. Eu também senti o Akos extremamente perdido na história, ele ficou vários e vários capítulos com Lazmet até eu entender o que ele tava tentando fazer e mesmo depois ele parecia sem rumo. Fico feliz que o Lazmet morreu, mas para mim nunca fez sentido ele o matar, mesmo sabendo da sua verdadeira linhagem. Faria mais sentido para mim a Cyra ou até o Eijeh (que era ao mesmo tempo, o Ryzek). Então de forma geral eu senti ambos os personagens distantes, mas para mim o Akos foi o pior porque ele estava perdido e as atitudes dele nunca condiziam com o Akos de antigamente. Senti a Cyra um pouco perdida também, mas as atitudes dela fizeram mais sentido, pois condize muito com a personagem, principalmente no que tange o seu amor pelos Shotet e o ódio pela sua família.
Gostei bastante do plot twist dos dois: da Cyra ser uma Kereseth e do Akos ser um Noavek. Eu estava intrigada desde o primeiro livro em como a autora contornaria a fortuna dos dois – que estavam destinados a morrer – e achei essa forma incrível. Ambos trocados na maternidade, pois Syfa sabia o quão perigoso seria para todos eles viverem do jeito que estavam vivendo. Se ambos foram trocados (apenas quem sabia era a Syfa e a mãe da Cyra) as fortunas também foram o que significou que ambos já tinham cumprido a sua fortuna e que não mais iriam morrer. Adorei muito, porque era algo que eu realmente não estava esperando e para mim veio como surpresa. Não senti que foi forçado e que se encaixou perfeitamente com a história. Talvez essa revelação foi o que motivou o Akos a ser tão distante do personagem que ele era no primeiro livro. Não acredito que foi evolução, penso que foi um período de transição tanto para Akos quanto para Cyra e apesar de não ter me agradado à relação dos dois (e até a relação individual) gostei de como eles terminaram juntos e de como abraçaram a sua linhagem e sangue. E talvez a parte que eu não tenha gostado foi necessária para este final..., no entanto, ainda suponho que foi um problema de planejamento e escrita, pois o personagem poderia ter evoluído sem ter se parecido totalmente deslocado e perdido.
Em relação ao enredo e a história confesso que pensei que faltou delimitar melhor o perigo/vilão da história. Porque a premissa sempre foi o Lazmet Noavek, mas às vezes a Isae e a Assembleia representava um perigo maior, então eu sempre me indagava “quem era mais perigoso?”, “quem representava uma maior ameaça aos personagens?”. O Lazmet era a figura vilanesca principal, mas nem sempre representava isso, constantemente eu me pegava com mais medo das atitudes tomadas pela Isae e pela Assembleia do que as de Lazmet. Talvez seria mais interessante ter delimitado qual era a maior ameaça e a ameaça secundária, pois em muitos momentos estas camadas se sobreporão e ficaram bastante confusas. Um ponto que amei neste livro foi os novos planetas, no último livro já tínhamos conhecido outros planetas e neste conhecemos melhor Ogra e Othyr. Ogra recebeu grande destaque e foi interessante ver a relação do planeta com o “dom da corrente” dos personagens, ver como ele é um planeta único com seus lagos com criaturas monstruosas, com sua noite que nunca acaba, com suas roupas brilhosas e neon, com sua falta de flores e mantimentos e também com seus oráculos e jardins sinuosos. É um planeta completamente diferente de Thuvhe e foi muito benéfico para melhorar a ambientação do enredo. Adorei também os Shotet exilados, foi interessante ver a dinâmica entre eles, o modo como viviam (me deu muitas vibe “divergente”) e o como amavam a sua cultura e povo, mas discordavam das ideias da família Noavek. A amizade da Teka com a Cyra foi perfeita para mim, pois mostrou a capacidade da Teka de perdoar a Cyra por seus erros, a fragilidade e disposição da Cyra de deixar novas pessoas (além de Akos) entrar em sua vida. Eu amei a dinâmica dos personagens secundários com os principais: como o Ettrek, o Syd, a Yma, a Syfa, o Jorek e o Ast e acredito que eles acrescentaram bastante a história.
Gostei também de conhecer mais sobre Othyr e sobre seus inúmeros avanços tecnológicos e também mais sobre a Assembleia e sobre como funcionava - era algo que me intrigou desde o primeiro livro. A forma como o conflito Shotet x Thuvhe foi resolvido foi um ponto marcante para mim. Sempre adorei os dois povos, principalmente os Shotet, eles sempre foram uma cultura bastante rica e diversa para mim e o ponto fraco deles sempre foi a família Noavek que os transformava em bárbaros e sanguinários sem eles realmente serem. Foi incrível ver a dinâmica deste povo após o fim desta ditadura Noavek e ver o como eles se adaptaram bem a nova realidade. Gostei da cooperação de Ogra, de como eles doaram um pedaço de terra para os Shotet se estabeleceram, o como doaram novas naves de temporada e o quanto os receberam de braços abertos em seu planeta. Gostei do novo governo Shotet (monarquia + conselho) e gostei que Hessa e todo o povo Thuvhe ficaram com seu planeta de origem dando fim a toda aquela guerra territorial e étnica. Gostei de como foi tudo resolvido e como todos os personagens se encaixaram em sua respectiva realidade.
O dom da corrente da Cyra é algo que me deixa muito triste, pois traz bastante sofrimento para a personagem. Eu gostei de como esse dom foi responsável por salvar o planeta da Assembleia, mas como não foi suficiente para se desprender dela. A sorte de Cyra é o amor de Akos por ela que sempre o leva a fazer remédios e poções para amenizar essa dor que vem da corrente. Eu sinto que no futuro ela vai saber utilizar-se melhor de seu dom de forma a trazer mais prazer do que sofrimento. Enfim, eu acho que como demorei muito tempo para ler este livro eu acabei me incomodando com alguns detalhes e encontrando defeitos que eu não encontraria se tivesse lido tudo em poucos dias. Mas foram críticas e detalhes pontuais que me chatearam um pouco, mas não estragaram a experiencia do livro para mim. Eu acho a Veronica Roth incrível, acho que ela constrói mundos distópicos extremamente ricos e interessantes, e este é sem dúvidas um deles. Amo como ela inventa toda uma galáxia com planetas bastante diversos entre si, famílias e etnias diferentes, elementos mágicos - como a fortuna e do dom da corrente - e todas as variáveis e contextos que englobam a história. Este livro possui mais defeitos do que o primeiro justamente porque é mais ousado, possui mais camadas e contextos, e isso é normal, principalmente quando se lida com um universo tão diferente e rico como esse, nada que estrague o enredo criativo e maravilhoso.
Uma parte de mim queria mais vários livros dessa saga para poder explorar e abordar mais a fundo este universo tão rico e estes personagens tão cativantes, mas ao mesmo tempo eu sinto que estes dois livros tiveram a tarefa bem sucedida de apresentar e honrar estes personagens e esse mundo tão distópico. O segundo livro possui um final bem redondinho e fechadinho então acredito veemente que não terá outro livro, e tudo bem por mim. Mas... se Veronica Roth quiser escrever um conto ou uma prequel da série pode ter certeza de que não irei reclamar. Apesar das crtiicas que eu apontei eu adorei este livro e amo bastante essa saga, acho bastante rica e criativa, irei reler sempre que tiver a oportunidade, então recomendo “The Fates Divide” e “Crave a Marca” a todos, principalmente os fãs de divergente que com certeza irão amar.
“I was like the planet Ogra, which welcomed anyone and anything that could survive life close to it”