spoiler visualizarVanessa 26/02/2024
Mais, mais, mais...
Fantasias em volume único são tudo de bom, né. Uma leitura de um livro só, com começo e fim em si mesmo, sem preocupar o leitor em ter que comprar mais livros, em ter que esperar anos pela continuação, quando ela vem... sem contar no ritmo ágil do livro em si, que acomoda muita coisa, deixando a leitura super fluida... qual leitor não quer ler um livro assim?
Porém, será que toda estória pode ser resumida em um livro solo? Principalmente quando falamos da complexidade e do desenvolvimento que livros de fantasia comumente trazem consigo?
Se me pedissem para descrever "Enraizados" em uma única palavra, esta seria "mais".
Isto, porque, tratamos aqui sobre um livro muito bom, cuja sensação, ao término da leitura, é resumida facilmente em uma sensação de quero mais... só mais uma continuação, uma série derivada, por que não?
Só que, na verdade, essa ânsia vai além de um desejo pessoal do leitor, sendo muito mais, uma necessidade da própria estória, porque, no final, "Enraizados" é um livro que precisava de mais um livro, pelo menos, para contar sua estória.
É complicado fazer esse tipo de observação, em uma época em que estamos tão sedentos por livros de fantasia únicos, e, isso me rendeu uma boa reflexão sobre que tipo de estória o autor está querendo contar, e quanto de páginas ela realmente precisa para ser contada, independente dos desejos do leitor.
"Enraizados", tem um lado muito bom, que se destaca logo de começo: sua agilidade em contar uma estória de fantasia, cuja jornada normalmente vemos ser contada em vários livros.
Aqui temos muitos plots-twists, a narrativa muda radicalmente o tempo todo, um verdadeiro ping-pong de diferentes lugares desse universo. Porém, o que é o seu ponto forte, estranhamente também é um ponto fraco.
Aqui acompanhamos a protagonista desde a descoberta de suas habilidades mágicas, todo seu desenvolvimento, sua participação em guerras, o contato com a realeza, sua aventura solo, o romance e seu final feliz, tudo em um livro muito curto para tantos acontecimentos.
No final parece que nada foi realmente desenvolvido, e, o livro em si, parece mais um resumo de uma estória do que a estória em si.
E, o problema disso é justamente o fato de a estória ser boa pra caramba.
A ambientação, seja da magia em si, das vilas pacatas, mas, principalmente, da floresta em si, é espetacular.
Sabe aquela vibe de filme medieval, meio grotesco em algumas partes, com uma vibe gótica, mas que passa a sensação de que a cada passo que a mocinha dá, pózinho mágico flutua ao seu redor? Eu leria uma quantidade absurda de livros com essa temática, e ainda quereria ler mais.
O que compensa, claro, um dos pontos negativos do livro: o escancarado mal desenvolvimento do sistema mágico da estória.
Primeiro que, o livro já começa estranho quando a protagonista descobre do nada ser uma das maiores Magas de sua geração (sem qualquer explicação), sem NUNCA ANTES TER MANIFESTADO QUALQUER SINAL DISSO, e sem nunca antes ter tido qualquer desconfiança de suas habilidades.
Se sua magia se manifesta do completo nada, do completo nada também nossa protagonista torna-se uma deusa ex-machina, não somente podendo fazer qualquer tipo de magia, como possuindo um extenso dossie de feitiços aprendidos em pouquíssimos meses.
Ademais, que magia é essa hein? Os feiticeiros nesse universo são praticamente invencíveis, eles dominam fogo, ar, poções, criam bois e carroças de gravetos e tem um guarda roupa portátil por onde vão... digo, qual é o limite da magia? Eles podem tudo, são invencíveis? Quais são as regras? Então... não sabemos, eles só são super-híper-mega poderosos e segue o baile.
Mas, mesmo o mal desenvolvimento do sistema mágico desse universo não ofusca o que eu acho ser o pior ponto da estória: as personagens.
A começar pela protagonista, que é absurdamente genérica e sem sal.
Na verdade, a protagonista é tão facilmente suportável, e fica tão desfocada no todo do livro, que o fato de ela ser tão morna quase não faz diferença, de tanto que não nos importamos com ela, em comparação a outras partes do livro.
A Agnieszka só tem seu nome como diferencial, porque sua personalidade é a mesma que qualquer protagonista genérica de livros de fantasia do tipo "boa garota que se sacrifica pela vila", sabe? Só que ela é pior, porque a motivação que a autora escolheu para incentivá-la ao longo dos percalços da estória é simplesmente um clone de si mesma.
A Kasia foi escrita para ser a melhor amiga de Neska, porém entre você dizer que tais personagens são amigos, e você demonstrar isso, e passar a sensação de amizade ao leitor, são coisas muito diferentes.
Falando sério agora, ambas não tiveram UMA ÚNICA CONVERSA DE MAIS DE DUAS PALAVRAS ENTRE SI O LIVRO INTEIRO. De verdade.
A Kasia mais parece um manequim a estória inteira, acompanhando a protagonista como uma sombra, sem agir, sem ter motivações, sem ter vida própria... é horrível. E quando ela faz algo minimamente perceptível é para se comportar como um clone da amiga.
As palavras que saem da boca das duas, ou as ações que ambas fazem, podem muito bem ser invertidas uma com a outra, que não faria diferença para a personalidade de ambas, eis que parecem ser a mesma personagem.
E eu posso dizer o mesmo do Dragão e do Falcão, parece que o que os difere é somente o lado que cada um está, porque de personalidade? Não daria para diferenciar, se não fosse explicado quem fazia o que, em cada momento.
É muito triste um livro tão bom, com tanto potencial, ter personagens tão, tão rasos e mal desenvolvidos.
E é analisando tudo isso que me incomodou nesse livro que eu chego a conclusão do meu pensamento inicial, eis que estes problemas, talvez, não existissem se a autora seguisse a formulinha das séries de fantasia e distribuísse tudo que acontece aqui em mais livros, para ter tempo de desenvolver melhor a estória, e criar mais vínculos entre os personagens em si, e entre estes e o leitor.
Então, não, tem estória fantásticas que não foram feitas para ser um livro só. E este é um deles.
Por fim, posso dizer que fiquei surpresa em saber que esse livro foi inspirado no folclore eslavo, do qual eu não tenho nenhum conhecimento, infelizmente, mas do qual, eu, definitivamente, planejo ir atrás, em busca de, quem sabe, mais uma sementinha dessa Floresta incrível.