Manuela 13/08/2017O verso do espelhoNos idos de 2009 iniciei minha caminhada pela literatura de identidade marcadamente lésbica. Eu, uma devoradora compulsiva de livros e que havia, recentemente, explodido meus armários, parecia ter encontrado um lugar; um "que" de representatividade.
Das muitas autoras que tive o prazer de descobrir no período, Hanna K é uma daquelas que ganhou grande destaque em minha vida de leitora. Qualquer pessoa mais próxima à mim, de amigas à amora, poderá confirmar essa afirmativa. Indicava textos, idolatrava a escrita, viajava nos caminhos narrados.
Não é surpreendente, então, o tamanho da minha expectativa na publicação desse "conto" - hoje livro - "Espelhos e miragens". Saio da minha ansiedade de fã, no entanto, para tentar falar um pouco da experiência com essa "nova" narrativa.
Acertadamente, Hanna K estabelece um marco temporal para o caminho que percorre em "Espelhos e miragens". Se a Ana Paula, dos 18/19 anos em 1999, era uma amante dos espelhos, a personagem que chega aos 25/26 anos na narrativa, percebe a desimportância dos reflexos - nada mais que miragens. Manuela (que por sinal, é o nome do meu alterego;), o controverso do espelho que a jovem Ana Paula almejava, tem grande influência nisso.
O tempo era outro; e as marcas intertextuais encontradas no texto nos dão conta disso. A obra é permeada por referências culturais - livros, discos, filmes - e, apesar de não ter uma delimitação geográfica específica (ainda que eu deduza que se passe em algum lugar do Nordeste), alguma coisa de regional se faz presente.
É um texto cheio de camadas, que se fizeram ainda mais profundas com o novo olhar dado pela autora antes da publicação em forma de livro. Ou seja: ainda que se trate da mesma narrativa que pode ser encontrada no site"fatorx" (ou pelo menos era possível até outro dia), é, também, outra.
Narrado em primeira pessoa, a partir das vozes que permeiam Ana Paula, por vezes o texto parece atingir um fluxo de consciência - embaraçado, desmedido, traduzindo a confusão da personagem narradora. É difícil não se colar à pele da jovem mulher; fazer dela um espelho. Para mim, que tenho cá minhas emoções à flor da pele, foi difícil não chorar - mais uma vez - com ela.
Não consigo dizer outra coisa da escrita senão, irrepreensível.
Uma narradora bem articulada e que traduz, por sua vez, uma escritora acima da média e, deliciosamente (permitam-me o adjetivo permeado por subjetivos), visceral.
"Não me importo em saber que nunca me vi realmente como sou e que tudo o que capturei do espelho nada mais é do que uma imagem invertida." (p. 13)