Carous 20/03/2020Uma boa ideia mal executadaEu estava curtindo muito a história - afinal, tem uma premissa tão interessante -, até que não estava mais. A partir daí foi penoso para terminar o livro
Os personagens tiveram sua parcela de culpa, mas não exclusivamente.
Uma marca nos livros de Colleen Oakley é incapacidade de comunicação entre os personagens. Isso aparece também em "Antes de partir", e só assim para termos conflito. Seus enredos são frágeis demais para sustentar uma boa história, então ela transforma seus inteligentes e funcionais personagens em criaturas que não podem simplesmente esclarecer qualquer mal entendido de uma vez.
É assim que, depois de muito drama, confusão e suspense, Eric descobre que Jubilee é alérgica a pessoas. Não, ela não poderia revelar isso a ele durante uma conversa. Isso eliminaria 100 páginas e 6 capítulos (estou chutando) e deixaria o livro mais curto.
Jubilee. Alérgica ao contato das pessoas se isolou do mundo após uma experiência traumática e quase fatal na escola. Nove anos depois, além da alergia, ela é agorafóbica (compreensível). Mas isso é resolvido em dois capítulos e nunca mais mencionado.
É dito que por causa de sua alergia a pessoas, ela nunca trabalhou na vida, dependendo esse tempo todo do dinheiro que sua mãe lhe enviava. É uma explicação, com certeza, mas fraca demais diante da era digital. Ela poderia muito bem trabalhar de casa. Aliás, nem o uso da internet seria necessário; ela poderia ser costureira, vender quentinhas. Ou, sim, vender produtos online, ou simplesmente ter qualquer profissão com home office.
Se fosse dito que ela nunca trabalhou por causa da economia, pareceria mais plausível.
Jubilee é branca, magra, tem olhos claros - não lembro a cor - e apesar dos anos de isolamento longe do sol, das mudanças da moda e dos exercícios físicos, das idas ao salão de beleza para cortar o cabelo, ela permaneceu atraente o suficiente para atrair a atenção de Eric. Soou forçado pra mim. Até porque sou o time que acredita que o amor não dev ser negado a ninguém - principalmente a pessoas feias, comuns ou cafonas. Mas na literatura sempre funciona diferente e apenas os belos merecem afeto romântico...
É contraditório que Jubilee queira uma vida normal, no entanto, abandona o tratamento que fazia na adolescência, sai nas ruas sem pulseira médica ou caneta de epinefrina - algo essencial para sua condição -.
Ela só pensa numa cura para sua doença quando Eric entra em sua vida. Dentre tantos motivos que ela tem...
Eric. Ele é bonito, óbvio! E essa parece ser a única qualidade dele.
Capítulo após capítulo ele toma as piores decisões possíveis e ainda se surpreende que sua vida é só ladeira abaixo.
Eu não deixaria um prego sob a responsabilidade de Eric, que dirá um ser humano (qualquer ser vivo, aliás). Ele tem dois filhos e é um pai incompetente tanto para Ellie quanto para Aja - só Jubilee o considera um bom homem e bom pai e sabemos a razão disso. Adolescentes são difíceis, mas não impossíveis. E o problema com Aja tem solução, basta ele ouvir a opinião dos professores e psicólogos.
Terapeuta após terapeuta diz que Aja precisa de acompanhamento psicológico e ele apenas ignora.
Eric não estranha que Aja nunca tenha chorado pela morte dos pais e que até hoje não fale deles. Só não seria preocupante essa ausência de reação do filho se Eric tivesse certeza de que cria um psicopata.
Só dou um desconto a ele porque à medida em que as páginas avançam, ele perde espaço e seus capítulos ficam cada vez mais curtos impedindo que seu lado da história seja propriamente contado.
Ele também é branco como Jubilee. Seus olhos são verdes, mas foram comparados a azeitonas como sempre acontece.
Há um consenso entre escritores brancos de que apenas quando o personagem não é branco que sua cor deve ser citada. E mesmo assim, eles cometem deslizes fazendo comparações esdrúxulas com o tom de pele do personagem. Aja foi comparado a uma fruta. Se bem que nesse caso não sei se a falha foi da autora ou da tradução. Vou chutar os dois, porque o original não devia estar muito melhor ao dizer que o menino tinha cor de jambo. C o r d e j a m b o.
COR
DE
JAMBO
O consenso entre os escritores brancos também nos mostra que quando o personagem é branco vale a pena dedicar uns parágrafos para descrever o belo formato de seu rosto, os lindos cabelos sedosos, a cor de seus olhos. Os olhos não são apenas azuis ou verdes. São comparados a joias, ou o oceano ou o céu num belo dia de verão.
E nunca nos é dito que se trata de uma pessoa branca. Tá implícito, é o padrão.
Aja. Eu relevo porque ele tem 10 anos. Eu relevo em dobro porque ele é criado por um completo demente. Relevo mais uma vez porque ele trás uns traumas pesados ignorados pelo pai adotivo.
Ainda assim... ele não caiu no meu gosto e não o acho doce como a Jubilee. Acho-o bem enjoado e sem noção. Não importa em qual idioma nem quantas pessoas lhe digam que não existen pessoas com superpoderes, ele ainda acredita que pode movimentar objetos, levitar ou mexer com a eletricidade. Foi engraçadinho a princípio, mas depois a ingenuidade dele pareceu fora de lugar.
Estranhíssimo a ausência de empatia em relação a tudo ao seu redor.
E eu poderia atrelar a dificuldade de comunicação dele ao fato de ser criança, mas acho que foi apenas a escritora enrolando para o arco dele não ir direto ao ponto.
O romance, que poderia ser uma chance para eu ver os personagens com outros olhos, não funciona. Falta tempero e os dois agem como dois adolescentes virgens e tapados.
Cortando em miúdos, Jubilee é chata. Eric é chato. Aja é chato.
Só Connie e Madison que salvam, mas, claro, a presença dela é limitada. Uma oportunidade perdida de vermos mais da relação de Connie com o irmão (Eric); e a amizade de Madison com Jubilee. As únicas coisas empolgantes neste livro.