Objetos da Escravidão

Objetos da Escravidão Camilla Agostini




Resenhas - Objetos da Escravidão


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mpettrus 29/12/2022

Arqueologia Histórica da Escravidão Brasileira
Organizado por Camilla Agostini, arqueóloga e historiadora da arqueologia da diáspora africana, o livro é uma coletânea de textos que debatem e trazem um novo olhar sobre a escravidão na América do Sul, através da aproximação entre antropologia e história. São textos elaborados por outros estudiosos do tema em questão, depois de ampla pesquisa feita, seja por referências bibliográficas ou por pesquisas de campo, e depois de análise criteriosa e correção, autorizados a serem publicados. Os textos trazem perspectivas interessantes das vivências dos escravizados, principalmente no Brasil, em que se analisam o passado histórico a partir de situações entre encontros de diversos povos e suas trocas culturais a partir da escravidão, para entender a dinâmica da convivência entre eles e elas sob a perspectiva de materialização de objetos, os objetos da escravidão.

Os autores elaboraram seus textos a partir de fontes históricas e vestígios arqueológicos bem como de fontes documentais e objetos museológicos referente à cultura material dos escravizados em sua expografia e acervo. Os pesquisadores observaram paisagens constituídas em fazendas, em vários Estados brasileiros, como Alagoas, Pernambuco e Mato Grosso, cidades litorâneas, a exemplo de Angras dos Reis, no Rio de Janeiro, um dos melhores capítulos do livro, inclusive, para estudar as práticas sociais dos escravizados dessas localidades e entender a dinâmica de símbolos, no caso aqui, os objetos, como elementos importantes no contexto de trocas e encontros culturais, encontros esses mergulhados na clandestinidade, como forma de resistência e sobrevivência da história de seu povo, que ficou no continente africano.

Os capítulos que debatem e analisam objetos museológicos são de extrema importância para o entendimento da vida social dos escravizados no Brasil. Sabemos que museus são a ?Santíssima Trindade? da preservação, investigação e comunicação da história de um determinado povo, de uma determinada cultura. Esses bens materiais e imateriais de pessoas escravizadas testemunham o seu passado. Esses objetos remetem a lugares, atividades, fazeres e crenças que quando expostas, difundidas e explicadas permitem reflexões e compreensão crítica da realidade, conhecimento fundamental para analisar suas repercussões hoje, mesmo quando estejam ausentes ou pouco representadas.

Por outra parte, conhecer a história através dos objetos requer um trabalho minucioso, ainda mais em se tratando da cultura material de povos escravizados, que, pela segregação sociocultural passada e presente tem tido pouca ou mínima atenção, ?apagando? paulatinamente seu legado ou destacando unicamente aqueles elementos que se vincularam com o homem branco, tais como os objetos de tortura.

Os autores afirmam que a cultura material desses povos no Brasil é muito fragmentada, pelas diversas formas de repressão dos escravizados e de sua cultura, as informações registradas sobre essas pessoas, muitas vezes foram construídas obedecendo a interesses contestáveis e visões preconceituosas. E os textos aqui elencados nesse livro sob a criteriosa organização e seleção de Camilla Agostini querem contribuir para a discussão a respeito da resistência escrava sob a ótica de estudos da arqueologia se baseando na análise da cultura material para o entendimento da vivência dos pretos e pretas nos tempos do Brasil colônia.

?O livro é composto de dezesseis capítulos, ou textos acadêmicos. Difícil pontuar quais os melhores capítulos, por que para mim todos são excelentes, sobretudo, para o meu entendimento sobre o tema, despertando curiosidades, trazendo informações novas sobre o mundo dos escravizados no Brasil que vão além das narrativas tradicionais, tornando a leitura interessante.

A minha área acadêmica são as ciências humanas, mas é mais restrita a ciência humana jurídica. Ler um livro que traz como discussão os objetos da escravidão no Brasil colônia me tira da minha zona de conforto dos temas jurídicos, ao mesmo tempo em que é interessante e empolgante, também é desafiador, no sentido de que, por não dominar o conteúdo do tema abordado, vez ou outra, me vi na necessidade de fazer pesquisas para além desse livro para ter um melhor entendimento dos pensamentos e análises dos autores e autoras.

Mas, considerei as notas de rodapé muito boas, esclarecedoras e pontuais. É só que eu mesmo sempre quero mais e mais. Sim, sou esse tipo de leitor que nunca se encontra satisfeito com ?notas? de rodapé, principalmente, em se tratando de livros de não-ficção.

Agora, confesso que o capítulo X ?A vida social entre o céu e o mar: os navios negreiros enquanto artefatos da escravidão? de autoria de Gilson Rambelli foi para mim um dos melhores artigos que li desse livro. Foi como se o autor construísse seu texto nos moldes tradicionais de uma narração: começo, meio e fim. O começo do texto nos conta sobre a construção dos barcos negreiros, a sua evolução em tamanho e forma, com o passar dos anos, e que mesmo com todo o avanço da tecnologia de sua época, a vida dos escravizados não se tornou melhor durante a travessia no oceano do continente africano para as Américas, esse povo ainda vivenciava o ?inferno na terra? pelas mãos do homem branco.

São relatos tristes e, por vezes, terríveis. E, não bastasse nos contar sobre esses episódios das vidas negras, o autor também nos relata o quanto as comunidades das ilhas de Angras dos Reis se envergonham de falar ou sequer conversar sobre os navios negreiros naufragados nas águas de suas ilhas. Eu achei muito curioso esse fato porque levanta o debate do quanto o brasileiro se esforça para ?apagar? seu passado, sobretudo, um passado que ?mancha? a história das suas comunidades.


? Entretanto, se em Angras dos Reis, os cariocas sentem vergonha do seu passado escravocrata, os mineiros de Ouro Preto, em Minas Gerais, sentem orgulho em contar seu passado. Eles e elas contam sem filtro, tal como foi, por vezes, com narrativas duvidosas, histórias de vidas pretas nos tempos do Brasil colônia. Esse contraponto é muito importante para entendermos o quão diverso é o nosso país, que em se tratando de temas polêmicos, como o passado escravocrata brasileiro, ele não é unidirecional.

Muito pelo contrário, ele tem força de seguir em várias direções ao mesmo tempo. O capítulo 14, que retrata de Ouro Preto, digo com toda absoluta certeza, é o meu favorito, pois conhecemos a história dos Jacubás e os Mocotós, classes e raças que povoaram e dividiram essa cidade numa configuração que lembra o ?sistema de castas? da Índia.

Sítios arqueológicos relacionados as vidas pretas do Brasil colônia e também dos tempos do Império ainda são escassos enquanto campo de estudos e catalogação. Existem, mas devido a proporção que o nosso país foi escravocrata, atualmente, deveriam ser demasiado abundantes nos estudos acadêmicos, tanto em referências bibliográficas, quanto em estudos de campos. Ao levantar estas questões percebemos que a caminhada é longa e há muito trabalho a ser feito.

A arqueologia é por natureza uma ciência interdisciplinar e diante do grande potencial apresentado pelos autores desse livro é imprescindível pensar em estudos das mais diferentes áreas se complementando e agregando novas informações a respeito dos grupos escravos, cabendo ao historiador, bem como, ao arqueólogo, o manejo eficiente das fontes de estudos, respeitando os discursos dos agentes históricos e o lugar da singularidade de cada povo permanecendo fiel à multiplicidade da realidade concreta do povo preto brasileiro.
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