Wagner47 27/12/2023
Sonhar é o mesmo que viver, mas sem a grande mentira que é a vida
Daniel Benchimol sonha com pessoas que não conhece e que futuramente virá a conhecer.
Moira Fernandes encena e fotografa seus próprios sonhos.
Hélio de Castro tem uma máquina capaz de ler sonhos de outras pessoas.
E as pessoas sonham com Hossi Kaley com um terno roxo e não fazem a menor ideia de quem ele seja.
E se soubéssemos que os sonhos querem nos dizer algo? Qual a real seriedade que daríamos a eles?
Acredito que o principal ponto do livro é o desenvolvimento de Daniel e Hossi, trazendo mais de seus passados e que muito ajudaram a construir no que se tornaram no tempo presente do livro. Outros fatores são a escrita e passagens extraordinariamente boas. Tenho a sensação de que se eu abrir o livro numa conversa aleatória entre Hossi e Daniel será tão certeira quanto qualquer outra.
Daniel é um covarde e sabe muito bem disso. Jornalista e visto de distintas formas possíveis, possui um passado de comportamento tranquilo, mesmo tendo crescido ao lado de um pai e dois irmãos que eram o contraponto dele. Apesar de ter sido um menino medroso, criava coragem do nada até mesmo para proteger um leão prestes a ser abatido. Daniel, que é divorciado, tem uma jovem filha que já luta contra um governo opressor, possuindo uma conduta diferente e tornando-se uma presa política ao lado de alguns amigos.
Hossi Kaley agora é um hoteleiro, mas seu passado de guerra até hoje deixa marcas de sua vida violenta. É um homem que já morreu duas vezes (a segunda foi por um raio, mas a primeira prefiro deixar que você descubra). Durante sua recuperação da segunda morte, começou a notar que as pessoas sonhavam com ele usando um terno roxo, porém ele mesmo não fazia ideia de ter sonhado algo.
Agualusa unifica essas quatro vidas, porém com a sensação de que foi muito personagem para pouca importância.
Explico.
Moira e Hélio são meros facilitadores para a história andar, como se fossem intermediários para levar uma pessoa a outra. Possuem tão pouca participação que Daniel poderia chegar a Hélio por uma notícia de um artigo científico. E também não demora muito para percebemos que até mesmo Hélio e sua máquina são descartáveis.
Na verdade, eu tive a impressão que a "reabilitação do sonho" funcionou muito como um artifício para levar à história a uma trama política (que de fato é boa). E sendo ainda mais criterioso, parece que a peculiaridade dos sonhos com Hossi foi o que de fato importou para a história toda.
Mas sejamos sinceros. Compraria um livro se lesse na sinopse dele que a história era uma mera luta contra um governo opressor? Eu não, portanto ao se utilizar da ficção científica para dar esse charme numa história bem clichê o autor dá um tiro incrivelmente certeiro.
Poderia passar horas lendo mais dessa história, mas eu de fato senti um vazio ao analisar o livro como um todo. É peculiar, instigante, fala muito sobre coragem e medo, despertando uma curiosidade do leitor com uma narrativa por muito tempo adormecida.
Acorda no final (o clímax é maravilhoso), mas estava muito mais bonita em sonho.