Jamais o fogo nunca

Jamais o fogo nunca Diamela Eltit




Resenhas - Jamais o Fogo Nunca


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Barbara.Luiza 24/06/2021

Quando o caminho se ilumina por um fóforo
“Jamais o fogo nunca fez melhor o seu papel de morto frio.” - César Vallejo

Os versos do poeta peruano que dão título e epígrafe do romance de Eltit não poderiam dar lugar a qualquer outro.

Esse romance é como um fósforo do qual só se vê a trilha deixada pelo fogo - o ardor da juventude, os sonhos da militância, a ilusão da igualdade, o sonhos de futuro: apagados.

Há uma criança que morre e outra que não nasce, uma mulher ou mais com seus desejos massacrados pelo companheiro e a individualidade dela cerceada pelo bem comum.

A claustrofobia só se encerra quando abre o espaço do servir e do cuidado, espaço esse que pertence a mulher na sociedade.

Todo esse movimento acontece em círculos, o fluxo de consciência anda às voltas com a confusão do leitor e pode não agradar a maioria. Mas há no final, no último sopro, uma potência que ressignifica as páginas percorridas e causa um desejo: recomeçar.

Em uma explicação mais simplista eu diria que o livro trata do desvelar do machismo da esquerda revolucionária durante os anos de Pinochet (ainda que esse véu caia apenas para as próprias militantes) e o não-lugar daqueles que derrotaram o autoritarismo, mas não construíram o que sonhavam sobre as cinzas.

Um romance que nos apresenta o verso da moeda, do verso da moeda. O que sequer o não contado conta.

🟪

O livro faz parte de uma trilogia que tem seu segundo livro publicado também pela Relicário com tradução e prefácio de Julian Fúks: Forças especiais.
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Debora 28/05/2021

História mais insinuada do que contada
A protagonista do livro é uma mulher que participou de alguma célula de esquerda contra alguma das ditaduras da América Latina (ou seria da Espanha, já que o livro começa falando de Franco e sua morte?).
Nada está definido no livro, nem o nome da protagonista, nem o local, nem o tempo em que se passa a narração. (Na verdade, eu cheguei a ter dúvidas se a protagonista era mesmo mulher por causa de uma parte específica do livro rs)
Mas acompanhar esta narração, as dores do momento, as brigas internas das células, nem sempre ligadas ao combate realmente necessário, a busca de um purismo de esquerda, como se os militantes fossem seres elevados (não é elucubração minha, isso é apresentado na narrativa), aliadas às dores causadas nos corpos e mentes dos seres que viviam este momento, nem sempre foi fácil. A narrativa muito cíclica, muito aberta, meio solta me incomodou muitas vezes. A leitura não foi uma trajetória prazerosa não, ao menos para mim.
Mas, no fim, entrar neste contexto histórico e participar de algumas das discussões trazidas deu um balanço positivo ao livro. A história e suas dores ainda reverberam em mim.
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Lucas Sam 23/09/2020

Envolvente e certeiro
A característica que mais chama a atenção em Jamais o Fogo Nunca com certeza é a estrutura narrativa. Guardada as devidas proporções, a escrita de Diamela muito se assemelha à escrita de Guimarães Rosa, não só na estrutura de frase como no sentimento imposto às palavras.

Diamela escreve com a alma. Chega a nos dar um imenso aperto no peito ver como cada detalhe das cenas são descritas no livro, de forma intensa, dolorosa, exprimindo cada momento de impotência e dor causada pela ditadura retratada na obra. O ritmo dado às passagens, quase todas em tom oral, tal como fazia Guimarães, aproxima todos nós, irmãos latino-americanos, através da literatura, e isso chega a ser gratificante.

No fim das contas Jamais o Fogo Nunca é isso: um grande abraço latinoamericano, um consolo pelas dores das nossas ditaduras...
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Ana Aymoré 07/03/2020

Jamais tanta dor: o espectro cruel das ditaduras
"¡Jamás [...] hubo tanto dolor en el pecho, en la solapa, en la cartera,/en el vaso, en la carnicería, en la aritmética!/¡Jamás tanto cariño doloroso,
jamás tan cerca arremetió lo lejos,/jamás el fuego nunca/jugó mejor su rol de frío muerto! [...]"
.
Os versos de César Vallejo não apenas inspiram o título do romance de Diamela Eltit como são sua mais completa chave de leitura. Num espaço exíguo - "uma única célula clandestina enclausurada no quarto, com uma saída controlada e cuidadosa à cozinha ou ao banheiro" - uma voz narradora, uma mulher outrora militante de uma causa irremediavelmente perdida, empreende um tortuoso monólogo, com o qual interpela seu companheiro, com quem divide a solidão, o asco e a miséria. Do fosso de sua derrota, ela faz contas compulsivamente, trabalha numa função humilhante para trazer o pão que parcamente os sustenta e fala, fala para tentar escapar do horror que, desde o passado não mais possível de se mensurar, ainda a assombra: "Mas onde?, onde?, uma vez que o século nos desalojou. Cem anos já e, apesar de saber que tudo foi consumado num passado remoto, em outro século e, ainda mais, em outro milênio, mil anos na verdade, ali está o século recente inteiro ou os mil anos decrépitos, insidiosos, que riem com um gesto horrível ostentando sua esteira de desgraças."
.
A palavra célula é a que mais se repete ao longo do livro, em sua dupla acepção: a célula revolucionária que contém, encapsuladas, as ações de resistência ao regime opressor, mas que, em contrapartida, impede os militantes de fazerem parte de um cotidiano minimamente humanizado, transformando-os de organismos celulares em máquinas, e reprimindo perigosamente suas paixões e fraquezas. Ainda mais, as ditaduras seguem arrastando ao presente, projetando ao futuro, seu rastro de horrores e crueldades na violência urbana, nas execuções sumárias, nos maus-tratos no interior do núcleo familiar, no expurgo social, no feminicídio - espectro que assombra a todos nós em seu papel de frio morto. Um dos mais belos, e mais dolorosos, romances que já li.
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Tiago 07/06/2019

Roteiro para um baile macabro
Há, por trás das ações dos personagens nucleares de "Jamais o Fogo Nunca", uma partitura corporal que Diamela Eltit preenche com uma poesia que só será alcançada em sua plenitude ao final do romance. São dois corpos enlanguescidos, estirados na mesma cama de um quarto, dedicados a um pas de deux vertiginoso, que a autora rege com descrições bastante atentas à anatomia dos membros se entrelaçando, debatendo a morte do ditador espanhol Francisco Franco (1892–1975).

Muito aos poucos, compreendemos que estamos diante de dois militantes de esquerda, integrantes da célula de um movimento de guerrilha, confrontando-se com o passado a partir das lembranças de uma personagem anônima, que reclama a provável morte de um menino que ainda não sabemos se é o seu filho ou se a vítima de um sequestro orquestrado pela célula.

(Célula: eis aí uma palavra-chave que, como tantas outras ao longo do texto, se ressignificará ao final — e é bastante recomendável, se após a primeira leitura você não entender a grande metáfora que Eltit estava urdindo, por trás do estranhamento provocado pela sua linguagem e pela incompletude dos fatos narrados, que você siga a velha recomendação de Faulkner àqueles que alegavam não entender os seus romances: leia duas vezes.)

A clara dependência desse sentido que vai se construindo aos poucos, e que só nos permite um alívio nem por isso menos perturbador, quando somos apresentados à profissão da personagem — que ganha a vida como cuidadora de idosos, lidando com a precariedade de corpos não menos miseráveis que o seu — , enfraquece uma narrativa que só ganha vulto exatamente nas páginas finais, onde um dos assaltos a banco executados pela célula é contado com a mesma virtuosidade anatômica da autora, esse olho que disseca os corpos e sua fragilidade quebradiça.

Num aparte extra-literário, é difícil não se sentir um tanto desconfortável com o prefácio (ainda mais quando ele é equivocadamente chamado de “prólogo”, se incorporando ao discurso diegético) do tradutor Julián Fuks. “Pode o subjugado falar? Pode o oprimido falar? Pode o desiludido falar? Pode o derrotado falar?”, ele se questiona — uma questão central na narrativa contemporânea, estabelecida justamente pela literatura testemunhal que emergiu com a derrocada de ditaduras como as da hispano-américa. O questionamento é pertinente, e a tentativa de iluminá-lo com algumas considerações é legítima, mas esbarra justamente numa interrupção incômoda da fala do subjugado, do oprimido e do desiludido em questão (e note-se, aqui, um equívoco por cima do equívoco: estamos falando de uma autora e de uma personagem femininas sem que o gênero masculino lhe dê conta). Sendo o “prólogo” um posfácio, faria mais jus à bela edição da editora Relicário.

site: https://medium.com/@tiagogermano/roteiro-para-um-baile-macabro-327b63592805
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