Maria Ferreira / @impressoesdemaria 28/10/2017Cabelo como símbolo de identificação“Esse cabelo- A tragicomédia de um cabelo crespo que cruza fronteiras”, primeiro romance da autora luandense que se mudou ainda criança para Portugal, vai tratar exatamente da história de um cabelo crespo e de como ele intersecciona esses dois países, Angola e Portugal, tendo como base a experiência pessoal da autora.
Muito do que a autora conheceu de Portugal foi nas suas andanças à procura de salões de cabelereiros que conseguissem alisar seu cabelo ou pelo menos torná-lo mais socialmente aceito. Isso é bem cruel, ainda mais quando se é tão nova e somos obrigadas a nos enquadrarmos dentro de uma estética padrão para sermos aceitas, no caso, a estética branca, na qual cabelos lisos são imperativos.
A partir da consciência de um cabelo crespo quando o padrão são cabelos lisos e a constante tentativa de alisá-los para se enquadrar em um padrão não tão fácil de atingir, o livro vai tratar desse percurso de tentativa de encaixe e o percurso de tomada de consciência de que não é preciso mudar para se encaixar, que é preciso aceitar-se como é.
Paralelamente à história de seu cabelo, a autora relembra episódios de sua infância e histórias de sua família.
O livro também vai tratar da questão racial no que diz respeito à ascendência, busca de identidade e de raízes. Neta de uma avó branca e de outra negra, ela é um meio-termo entre essas duas cores e tudo que isso implica.
O título surge da fala de uma das avós, que perguntava “Então Mila, quando é que tratas esse cabelo?”, uma fala que deixa claro o preconceito em relação ao cabelo crespo da neta, o que evidencia um certo tom de desprezo e distanciamento em relação ao cabelo.
Não fosse a barreira do idioma, ainda que português, mas luso, acho que teria aproveitado e entendido melhor o livro. Tive que ler as primeiras 60 páginas pelo menos duas vezes para que a leitura engatasse, mesmo assim, algumas expressões fugiram ao meu entendimento.
Mas sem dúvida é uma história original, no sentido de ser bem pessoal, de tratar da experiência da autora em relação a seu cabelo crespo, seu processo de auto aceitação como mulher negra e tudo que isso implica, principalmente a aceitação de sua estética negra, que tem expoente principalmente no cabelo, o que acredito que faz com que muitas mulheres de cabelos crespos se identifiquem em alguns momentos.
Achei impressionante que a autora tenha tantas lembranças da infância e que as tenha resgatado para a composição deste livro.
Por fim, não poderia deixar de falar da minha experiência pessoal com meu cabelo também. No fundo, acho que as pessoas que têm cabelo crespo acabam tendo uma história muito parecida.
Desde criança, houve uma tentativa de alisá-lo. Durante o ensino fundamental, meu sonho era ter cabelo liso, ele foi alisado algumas vezes, mas nunca me senti feliz com o resultado, não gostava de como ele ficava com as pontos arrepiadas e de como ele quebrava. Até que, no último ano do ensino médio, decidi que não alisaria mais, que aceitaria e assumiria meu cabelo como ele realmente é. No primeiro ano da faculdade, tive várias crises porque não é um processo fácil, a gente pensa no que os outros estão achando do nosso cabelo, ele não fica como queremos, é difícil de arrumar, consome tempo. Agora, no terceiro ano de faculdade, nós já estamos bem, já experimentamos um monte de cortes, não nos importamos com o que os outros pensam.
É um processo lento, mas que transforma e liberta profundamente.
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