Aline164 28/08/2022O fantástico mundo de Priscilla MatsumotoEu só queria um livro despretensioso para passar o tempo durante uma viagem de ônibus de umas três horas para ver meu namorado, mas fui teletransportada para o fantástico mundo de Priscilla Matsumoto.
O que eu esperava, a deduzir pela sinopse e pela capa: um livro de literatura de fantasia leve, meio descolado da realidade, um gênero de que muitos jovens gostam e que estou descobrindo agora. O que senti com o andar das páginas: "Como é que eu vim parar aqui?, só tenho 5 anos"; o enredo denso e o estilo de escrita me surpreenderam e me instigaram a continuar lendo. Apesar de um ou outro "ruído" na escrita, trechos que poderiam ser escritos de forma mais fluida ou elegante, meu interesse na leitura não diminuiu.
No "infinito no meio", apartamento onde Cecília vive há trinta anos, o tempo não passa. Ela continua com 22 anos. Nesse tempo-espaço infinito, ela convive com um vampiro, fadinhas (uma queimou seus dedos, quando tentou segurá-la) e seres mitológicos, como um dokkaebi ou uma selkie, e tudo parece imutável, até Nathan, um entregador da farmácia do bairro, bater à sua porta e se infiltrar em seu mundo.
[A partir daqui contém spoilers. Estão avisados.]
Em meio a música (The Smiths, Morrissey, Joy Division), novas experiências com Nathan e reminiscências, o passado de Cecília vai sendo revelado. Ela e o irmão mais velho foram amantes quando eram adolescentes, ela engravidou, fez um aborto ilegal e, depois disso, a vida familiar foi desmoronando.
Apesar do teor do livro, ele não tem um tom dramático, pelo contrário, às vezes a protagonista parece narrar o passado de outra pessoa, além de não se colocar no lugar de "coitadinha"; apenas em algumas passagens o peso da culpa, que nem é culpa dela, vem à tona.
O fim é surpreendente e cada um pode interpretar a sua maneira.
Gosto do tom poético que permeia toda a obra e também do "frescor" da escrita da autora. Talvez por já ter lido um tanto ao longo da vida, consigo relacionar um livro que estou lendo com outros livros e/ou autores que já li, o que é algo positivo ou negativo, dependendo do ponto de vista, mas amo a sensação de ler algo e não conseguir relacionar a nada que já tenha lido ou visto.
Quero ler outros livros da autora e vou ficar atenta a novas publicações. É uma jovem autora brasileira que vale a pena acompanhar.
"As palavras vão caindo.
Uma a uma, como gotas.
Escorrem pelo vidro da janela feito chuva, salpicam na minha cama, despencam dos meus olhos. Eu, antes trancada no silêncio, vi-me de repente soterrada de palavras. O mais estranho: elas não significavam nada. Em minha primeira noite no mundo, senti-me sufocada e assustada, mas feliz."