Teresa.Helsen 30/07/2017
Prólogo - Dois contos de Amelia Pessoa
Prefácio – Dois contos
Com um gênero híbrido, Romance e Suspense, esses contos estendem-se também ao gênero Conspiração Política (Conspiracy Thriller). Ficcional, mas com embasamento no real, pano de fundo da história é propício para a conspiração. Seria simples resumir a história como um relacionamento romântico entre uma executiva e o CEO da empresa de desenvolvimento tecnológico armamentista. O que? É só uma história repaginada, muitas vezes pervertida, machista e até sádica, entre a secretária e o chefe? Não. Mostrando dois momentos diferentes nas relações entre as personagens, do esquivo ao consumado, existe uma evolução na união e da cumplicidade. Ambos os lados se apoiam. Nada de vítimas, agressores ou dependentes emocionalmente incapazes que usam o parceiro como muletas. É um relacionamento entre duas pessoas física e mentalmente estáveis, que se respeitam mutuamente, algo cada vez mais raro no gênero do Romance hoje em dia.
O cenário onde as personagens desenvolvem esse afeto e cumplicidade é um dos piores; o mundo empresarial armamentista e político. As verdadeiras cores das pessoas surgem nos piores momentos, não é? Nesses dois contos, esses momentos podem custar, literalmente, a vida delas. E o que move tanto a protagonista quanto o seu “príncipe encantando” é algo que falta no mundo em que eles vivem; o amor.
Essa coletânea de contos foca-se na progressão do relacionamento romântico entre as personagens e como a protagonista se movimenta dentro de um influente e perigoso mundo dos negócios e da guerra, que trazem um alto impacto no cotidiano de nações. Ações intempestivas ou até mesmo um comportamento inadequado podem colocar muito a perder, mas isso não intimida Cláudia.
Claudia Cazarotto
A protagonista da história, e da própria vida. Sensual, vetusta, divertida e com equilíbrio entre o racional e intuitivo, Cláudia tem a sagacidade necessária para resolver os problemas. Seria uma personagem perfeita, o que seria irritante. Os defeitos, que a fazem tão interessante, motiva suas ações também: o lado sombrio da vingança, a tendência à manipulação e a insistência em agir sozinha mesmo com um parceiro querendo agir em conjunto são alguns deles. A adaptabilidade da Cláudia encima das situações denotam a origem brasileira num local bem segmentado e rígido como a realidade empresarial e norte americana. Perto da cúpula do poder, ela tem a chance de participar e influenciar. A negação da atração que sente por Seth, tanto por questões éticas de trabalho quanto suspeitas da origem do chefe, a faz evita-lo por um tempo, mas nunca deixa o lado protetor; uma das maiores características dela.
Seth Cunnings
Bonito, cavalheiro, introspectivo e mesmo sendo bem racional e analítico, apresenta-se um tanto supersticioso. Poderia ser o príncipe encantado, se não houvesse uma tensão constante de que ele agirá de forma imprevisível ou nada convencional, e desagradável, a qualquer instante. Apesar de tudo, a fama de bom moço se mantém. O jargão "a fama o precede" não se encaixa na mente de Cláudia, que ouve sobre a ligação do chefe com o crime organizado no passado e no presente. A empresa é ligada diretamente ao governo, o que deixa as suspeitas de envolvimento com o crime mais estranhas ainda, levantando questões até sobre a integridade do governo estadunidense.
A apresentação
Já mencionei sobre a velocidade? É uma constante ação e reação, com a história é entregue pelos diálogos. Muitos diálogos, internos e externos, mantém o ritmo dinâmico. Assim como as personagens não perdem tempo, o texto não transborda com longas descrições detalhando o cenário ou as ações. Como num filme noir, onde o contexto é sugerido pelas sombras, quem lê tem a liberdade de imaginar a partir do básico descrito. Não espere uma forma Neo Noir nesses contos, pois o melodrama está longe de se instalar nessa narrativa. Mas algumas características do Pulp Noir são presentes, como o tema urbano, o diálogo interno e forma etérea como o cenário se forma nas descrições. E claro que existe uma parte onde a protagonista deixa o Jazz a invadir para tomar o espaço da inconfortável situação em que está. As informações são praticamente trazidas pela voz e pensamento das personagens.
Em I Put a Spell on You, Cláudia lida com uma possível cliente impostora, podendo prejudicar a empresa em que trabalha, ou pior, o seu chefe. Ela não nega seus instintos, mas tenta reunir fatos para acalmar a batalha entre sua mente analítica e suas entranhas. A voz narrativa no I Put a Spell on You permite que vejamos as pretensões e agonias internas das personagens com sua narração em terceira pessoa. Como um voyeur, espiamos em buracos fechadura os impudores, invadindo a mente das personagens, e ouvindo seus desejos. Uma passagem interessante e recorrente é quando a protagonista fala sobre seu desejo reprimido pelo chefe, apelidando-a de “Claudinha da construção civil”. Os momentos tensos se suspendem de vez em quando graças ao lado divertido da personagem central.
Já em Ataque Fegatello, a corrupção do governo brasileiro e mostrado em reações ameaçadoras, onde Seth Cunnings apenas observa os passos de Cláudia Cazarotto sem poder se mover num terreno tão diferente para ele. Temos uma mudança na voz narrativa, passando para primeira pessoa. Você agora tem a história sob a perspectiva de Seth, mas quem marca o ritmo é a Cláudia. Ela ainda é a agente transformadora e não uma espectadora. Neste conto, Seth descobre mais sobre a sua contadora chefe, mesmo denotando um estágio mais avançado da relação romântica entre os dois. O desfecho de Ataque Fegatello intriga o suficiente para nos deixar pensando o que acontecerá com o casal no curso da história deles.
Sem dúvida há uma passagem de tempo entre os dois contos, mostrando dois estágios diferentes da relação entre as personagens. Mesmo esses dois contos sendo curtos, percebe-se que existe uma história base mais ampla, e ainda assim, não se precisa de uma estrutura especial de leitura para entendê-los. Só fica uma curiosidade para saber como tudo realmente se desenrola antes e depois desses contos. Por sorte, existe uma novela com isso tudo.
Amelia Pessoa
Assina na indústria norte americana de quadrinhos como Amelia Woo devido a uma imensa pretensão em criar mangás no início da carreira, mas que, felizmente, abraçou os todos os quadrinhos como objeto de (muito) interesse. Há mais de uma década trabalhando ativamente como comic book artist para editoras dos EUA, agora arrisca a primeira Graphic Novel de própria autoria (Kings Club Vol. 1) e um pequeno título de vídeo game (Kings Club). Demorou vergonhosamente 7 anos na Universidade de Brasília para obter o bacharelado em Artes Plásticas, porque os prazos na indústria de quadrinhos são loucos. Teresa Helsen pediu para Amelia escrever esse prefácio porque queria ver se um storyteller visual conseguiria fazer um texto sem figuras. Amelia ainda sente falta das figuras e palavras em bolhas brancas.