O Evangelho e a Diversidade das Culturas

O Evangelho e a Diversidade das Culturas Paul Hiebert




Resenhas - O Evangelho e a Diversidade das Culturas


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Claire Scorzi 30/05/2011

Riqueza de material e complexidade
Marquei o livro com 4 estrelas devido à dificuldade que senti por vezes em lê-lo - em manter o interesse - durante a leitura. É possível que a complexidade sentida, e consequente cansaço, seja o natural em leituras desse porte, já que pouco ou nada sei sobre antropologia missionária. Mas algo em mim tem esperança de que seja possível escrever sobre o assunto sem deixar o leitor enfastiado, ou desanimado enquanto lê.

Ainda assim, faço questão de frisar a riqueza do material apresentado - para uma obra que se subintitula "uma introdução à antropologia missionária" - suas reflexões desafiadoras, sua honestidade sobre uma vocação fundamental e todavia sacrificial. Alguns insights, comparando visões de mundo Ocidente/ Oriente saem do clichê e nos instigam a repensar todas as nossas idéias sobre conversão e arrependimento.
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Héber 16/09/2010

Tornando o Evangelho culturalmente compreensível e relevanta
A qual cultura pertence o Evangelho? Muitos missionários têm levado a mensagem do evangelho aos povos entre os quais trabalha com uma roupagem agradável ao seu próprio gosto, aos seus próprios costumes. Isso acontece, pois todos temos comportamentos instituídos pelas nossas culturas. De acordo com a nossa sociedade analisamos o que é certo ou errado. Desse modo, ao transmitirmos a mensagem mais importante do mundo, aquela que trará salvação para a alma de nossos ouvintes, tendemos a apresentá-la de maneira muito peculiar nossa. E uma vez que esta mensagem trata de mudança de conduta após uma decisão pessoal por Cristo, julgamos, de acordo com os nossos padrões culturais de comportamento, que essa nova conduta deva ser semelhante àquela “certa” pela qual estamos acostumados a viver: a nossa, igualmente depravada, conduta ocidental. “Temos um problema aqui, não é?”

Paul Hiebert lida com essas questões em seu livro “O Evangelho e a Diversidade das Culturas”. O autor é professor de antropologia e fenomenologia nos Estados Unidos e filhos de missionários na Índia onde trabalho por vários anos. Ele ressalta o valor da antropologia para o trabalho missionário mostrando que a disciplina nos ajuda a entender diversas situações transculturais e auxilia em questões difíceis como tradução da Bíblia. Segundo ele a teologia deve ser entendida através dos elementos culturais da sociedade e a antropologia nos ajuda nessa questão. “Não podemos separar nossos modelos antropológicos de nossa teologia” (p.16), para que não haja uma divergência entre a natureza espiritual e a natureza cultural do ser humano. Para que tenhamos uma aplicação equilibrada entre antropologia e teologia no campo missionário o autor nos adverte a comparar as pesquisas científicas com a teologia bíblica e a ver o ser humano em sua totalidade.

Hiebert no segundo capítulo passa a discorrer sobre diversos termos e conceitos antropológicos essenciais para o entendimento da disciplina. Ele cultura como sendo “sistemas mais ou menos integrados de idéias, sentimentos e valores e seus padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados por um grupo de pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz.” (p.30).

A cultura é dividida em três níveis. O nível cognitivo que está relacionado aos conhecimentos compartilhados pelos indivíduos e o modo como estes conhecimentos são obtido. O nível afetivo que trata de gostos pessoais e maneiras de expressar os sentimentos. Por fim o nível avaliador que fala dos elementos culturais pelos quais os indivíduos de uma cultura são julgados e avaliados.

É interessante o paralelo que Hiebert faz ao tratar da identificação do missionário na nova cultura. Segundo ele existem empecilhos em cada uma dessas dimensões que interferem na identificação do missionário. No nível cognitivo o missionário encontra dificuldades ao enfrentar mal-entendidos culturais que seria causado pelo pouco conhecimento da cultura onde ele está inserido. O etnocentrismo é a barreira no nível emocional. Para o autor “a raiz do etnocentrismo é a nossa tendência humana de reagir à maneira das outras pessoas utilizando nossos próprios pressupostos afetivos e reforçar essas respostas com profundos sentimentos de aprovação ou desaprovação.” (p.97). No nível avaliador a dificuldade está nos julgamentos prematuros que o missionário faz ao entrar na nova cultura ao encarar a nova sociedade como se já soubesse tudo sobre ela.

Paul Hiebert também trata da relação entre evangelho e cultura dizendo que embora a teologia bíblica tenha nos sido dada em um contexto cultural judaico, ela deve ser repassada às outras pessoas de acordo com o próprio contexto social delas. Ele descreve as várias vertentes deste tema falando sobre o ‘Evangelho versus a Cultura’ onde contrapõe os dois afirmando que o evangelho deve ser separado da cultura, pois, uma vez que ele não pertence a nenhuma cultura, pode ser comunicado com excelência em qualquer cultura. Outra vertente é o ‘Evangelho na Cultura’. Pelo fato do evangelho ser diferente das culturas humanas, ele deve ser comunicado em formas culturais distintas, dependendo de onde ele estiver sendo inserido. Finalmente a autor fala do ‘Evangelho em relação à Cultura’ afirmando que “nem tudo da cultura humana é condenável” (p. 56), por outro lado todas tem algumas práticas erradas que foram depravadas juntamente com a queda do homem, por isso o evangelho pode propor mudanças para todas a culturas.

No terceiro capítulo Paul Hiebert fala da dificuldade que os missionários enfrentam ao tratar das diferenças culturais. Entre elas o choque cultural que ocorre quando o missionário se vê vivendo em outra cultura tendo que lidar com diferenças alimentares, sociais, econômicas. Indo rumo identificação o missionário encontra várias ferramentas úteis que o ajudarão a superar o choque cultural inicial. Desenvolver a confiança é uma dessas ferramentas que eu gostaria de me ater para uma reflexão. O autor nos diz que “o passo mais importante ao entrar em uma nova cultura é desenvolver a confiança. Só quando as pessoas confiarem em nós é que ouvirão o que temos para dizer” (p.83). Uma das maneiras apresentadas por ele para que essa confiança seja conquistada é que as pessoas alcançadas precisão ter motivos válidos para virem até nós. Seria uma relação de interesse.
Aqui destaco a ação dos nossos missionários ao oferecerem remédios aos indígenas brasileiros como meio de auxilio às doenças, obviamente, mas também como ferramenta útil para se conseguir a confiança dos nativos. Até que ponto esta seria uma maneira válida de atrair a atenção deles e dar credito aos missionários? Essa prática normalmente substitui a medicina nativa que está baseada em seus conhecimentos fitoterápicos que muitas vezes não são necessariamente errados.

Em suma, acredito que o principal ensino deste livro é como poder transmitir o evangelho com uma lente cultural do próprio povo. “Toda comunicação autêntica do evangelho em missões deve ser padronizada a partir da comunicação bíblica e deve procurar fazer com que as boas novas sejam entendidas pelas pessoas dentro de suas próprias culturas.” (p.55)

A segunda parte do livro aborda vários temas de suma importância para a nossa formação enquanto missionários. Entre eles vemos a questão da contextualização, da teologia nativa, sobre o biculturalismo existente entre as famílias de pessoas que vivem em duas culturas e sobre o papel do missionário no campo.

Particularmente gostei do que o autor tratou sobre contextualização. Ele destacou a diferença entre a contextualização crítica e a contextualização acrítica mostrando que ao aceitar todas as práticas nativas que o povo fazia antes da sua conversão seria imprudência e apresenta pelos menos dois problemas básicos: anula a possibilidade de haver pecados que são cometidos pela sociedade como um todo e pecados pessoais, cometidos individualmente. O segundo problemas seria o sincretismo religioso que geraria pela abertura inconseqüente às práticas antigas.

Do outro lado temos a contextualização crítica que valoriza as práticas antigas, mas com cautela analisando o que pode ser usado no culto. Existem elementos nativos que não são necessariamente malignos podendo ser adaptados ao culto cristão. Este tipo de contextualização ocorre de diversas etapas: inicialmente as pessoas devem reconhecer que seus costumes devem ser avaliados pela Bíblia e que com a nova fé vem mudança de vida. Em seguida os missionários, juntamente com a liderança local, devem reunir os cristãos para refletir sobre os velhos hábitos, sem avaliá-los por enquanto. Depois o líder da igreja faz estudos bíblicos abordando o tema em questão. Finalmente a congregação se reúne, discutem e avaliam criticamente à luz dos novos ensinos bíblicos como alguns costumes antigos podem ser usados no cristianismo.

Ainda sobre esse ponto o autor fala que “os líderes podem compartilhar suas convicções pessoais e apontar as conseqüências de várias decisões, mas devem permitir que as pessoas tomem a decisão final, se não quiserem se tornar policiais” (HIEBERT, 2004, p. 187). No entanto não podemos generalizar a necessidade da tomada de decisão para todos os grupos. Alguns povos têm como parte de seus costumes para tomar decisões a dependência de um chefe somente. Nesse caso se os líderes cristãos tomassem a decisão pela igreja seria perfeitamente passível de aceitação pela comunidade e não seria encarado como policial por ela.

Por fim quero citar três ferramentas que Paul Hiebert mostra essenciais para serem usadas na contextualização. São elas:
- Atribuir significados cristãos a velhas práticas tradicionais
- Substituir práticas tradicionais por praticas de outras culturas.
- Criar novos símbolos de comunicação.

Gostaria de comentar vários outros assuntos que o autor aborda no livro – como os conceitos sobre o desenvolvimento de uma igreja autóctone de Anderson e Nenn, por exemplo – mas acredito ser mais necessário discutir sobre alguns temas que ainda ficaram um tanto nebulosos no meu entendimento.

Sobre a questão do papel da mulher do missionário no campo Hiebert parece enfatizar que ela deve ficar somente cuidando de casa enquanto o marido fica evangelizando e chega em casa empolgado com as novidades do dia. Em suas palavras lemos que "Geralmente ela [a esposa do missionário] não tem nenhum papel específico no ministério. [...] A esposa faz tudo o que fazia em sua terra natal e um pouco mais, mas sem nenhuma recompensa extra e sem se sentir diretamente parte do trabalho. Ela deve ficar contente em ouvir os relatos emocionantes de seu marido e em adquirir um senso vicário de valor por meio das conquistas dele. Algumas vezes espera-se que a esposa distribua remédios e ajude as mulheres e crianças locais, mas isso não leva em conta sua necessidade de auto-realização no ministério." (HIEBERT, 2004, p. 281)

A meu ver esta descrição é de uma simples esposa de missionário, não de uma missionária envolvida e que auxilia o marido nos trabalhos da missão. Entendo que o trabalho dela seria maior por causa da precariedade do local, o que não concordo é com a possibilidade dela fazer somente isso, relegando a ela uma tarefa aqui e acolá com as crianças ou distribuindo remédios. Uma simples esposa de missionário provavelmente sentiria uma alegria vicária por estar dando suporte de base ao marido com comida preparada e casa arrumada, mas a mulher que tem um genuíno chamado está disposta a fazer mais que isso, ela se envolve nas atividades do marido auxiliando-o (na medida do possível), tem um ministério específico com as mulheres locais e sente alegria verdadeira por estar participando ativamente da obra missionária para a qual ela foi chamada.

Outra questão que deve ser destacada é quando o autor fala que os missionários solteiros teriam acesso mais facilitado entre os diversos níveis sociais de uma determinada sociedade por terem sua identidade sexual ignorada. (HIEBERT, 2004, p. 283). Contudo entre os povos indígenas jê do Brasil Central as mulheres são proibidas de entrar na casa dos homens e participar com eles de suas reuniões e cerimônias. Uma missionária solteira não teria acesso aos homens destas sociedades para executar sua tarefa.
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