spoiler visualizarRonaldo Thomé 22/01/2020
Não Dar Mais as Costas...
Excelente obra escrita por Umrigar, cujo trabalho já é conhecido há alguns anos pelo mundo. Embora este trabalho não tenha ficado tão conhecido quanto os anteriores, a autora não deixa de fazer um belo trabalho aqui. Vemos a vida de Anton, um jovem nascido de uma mãe pobre, solteira e usuária de drogas.
Após sua mãe ser mantida em cativeiro e violentada por traficantes, o garoto é resgatado, encaminhado para um abrigo e adotado por uma família rica americana, formada pelo juiz David e sua esposa, Delores - casal que havia acabado de perder um filho. Com o tempo, Anton cresce e se torna um jovem muito inteligente, com uma carreira promissora, embora não saiba de muitos detalhes por trás de sua adoção.
Apesar de não ser um livro complexo, o drama familiar é muito bem explorado na primeira parte, algo que se desdobra em várias camadas nos capítulos seguintes. Anton é um negro criado por uma família branca, num bairro de elite branco e, com o tempo, entra para o poder político - altamente dominado por políticos brancos. É interessante notar que, por mais que esteja acostumado com isso, tudo começa a mudar quando sua mãe biológica - Juanita, negra nascida na região Sul - envia uma carta, depois de muitos anos de ausência.
Umrigar cria várias camadas interessantes, sendo que algumas são exploradas com muito êxito. Por exemplo, fica claro que Anton é, em sua fase adulta, um espelho da ambição de seu pai adotivo, um homem muito justo e de boa índole, mas que toma uma decisão antiética para ficar com a guarda do menino. Aqui, algo fica muito latente: até que ponto o amor pode levá-lo a prejudicar outra pessoa? E como alguém pode se dizer defensor dos direitos civis, se não é capaz de entender (e buscar ajudar) uma pessoa que está sofrendo? David mostra-se preconceituoso cada vez que fala da mãe de Anton, e isso pode parecer incômodo para algumas pessoas por esse motivo.
No início da vida adulta, Anton se envolve com Carine, estudante negra ativista dos direitos civis, e aqui se revela outra camada - a hipocrisia de uma sociedade que anuncia a aceitação ao negro, sendo que não admite que ele seja questionador sobre seu papel. Há uma cena de jantar em que ela discute com toda a família do namorado; Umrigar aqui carrega as tintas, com uma personagem desagradável e por vezes grosseira, embora com princípios corretos. E embora a escritora pareça não ter sido tão bem sucedida (ou o fez de propósito), aqui nascem questionamentos e confiltos no coração de Anton que levam ao ponto culminante da trama: a viagem para a Geórgia, em busca de sua mãe, em que Carine torna-se novamente sua confessora, após anos de rompimento.
A viagem de Anton é, sem dúvida, o clímax da trama. Embora algumas pessoas acham que algumas coisas ficaram sem uma melhor explicação, ou desenvolvimento, é aqui que Umrigar mostra seu talento bruto. É uma viagem ao coração humano, bastante tocante, onde um homem se desconstrói em pedaços - e, quando você chegar ao final, talvez não saiba se reencontrou todos.
Enfim, para mim um excelente livro, que com certeza seria um grande filme nas mãos de Jordan Peele - embora eu preferiria que fosse pelas mãos de Brian de Palma...
Recomendado para: lembrar que boas intenções podem esconder violência e intolerância; e que algumas pessoas ficam pelo caminho. Dica: leia o final do livro ao som de "On the Turning Away", do Pink Floyd, e leia a letra.
Nota: 10,0 de 10,0.