L'Angelus 29/12/2016
Repensando o ceticismo: "nós não acreditamos em tudo, mas acreditamos que tudo deve ser examinado".
"O despertar dos mágicos" bem agrada quem, acreditando ou não, se interessa por temas insólitos: alienígenas, magias, conspirações e afins. Contudo, é muito importante entender que esse não é um livro esotérico ou — muito menos — militante pela descrença sobre esses temas. Em vez disso, acima de tudo, esse é um livro cético e entusiasmado pelo mistério, um mergulho profundo no aspecto fantástico da realidade:
"a concepção mágica das relações do homem com outrem, com as coisas, com o espaço, com o tempo não é completamente estranha a uma reflexão livre e viva sobre a técnica e a ciência moderna. É a modernidade que nos permite acreditar no mágico. São as máquinas eletrônicas que nos fazem tomar a sério o feiticeiro pré-histórico e o sacerdote maior" (p. 374).
"O alquimista moderno é um homem que lê os tratados de física nuclear" (p. 122).
Nessa postura cética perante o mundo, "nós não acreditamos em tudo, mas acreditamos que tudo deve ser examinado" (p. 154).
De omnibus dubitandum.
Dessa forma, com o "realismo fantástico", me incomoda muito (e esse é o exemplo mais típico) quando algum ateu militante se diz 'cético' para, com isso, atacar a religião e, em seu lugar, pregar uma verdade exclusiva ao método científico. Assim, "recalcando qualquer mistério" (p. 26), a ciência acaba se tornando uma nova religião: foi com essa mesma postura que "o século XIX [com seu positivismo] conseguiu criar uma mitologia negativa, eliminando o menor traço de incógnita no homem, rejeitando qualquer suspeita de mistério" (p. 28).
Por fim, antes de dar um ponto final a esse resenha, não posso deixar de fazer algumas críticas negativas ao livro.
Uma coisa que me incomodou muito na leitura é que a maioria das citações são feitas sem a menor indicação de suas fontes: muitas vezes os autores simplesmente escrevem que "recentes pesquisas revelam..", "diz uma lenda que...", "Einstein [ou qualquer outro nome reconhecido] escreve que..."
Ainda, um dos principais discursos defendidos no livro é, em seu entusiasmo pelo famigerado progresso, contraditório e facilmente questionável: seus autores se dizem absolutamente contra o pensamento positivista herdado do século XIX, mas reproduzem, sem perceber, o entusiasmo pelo 'avanço técnico-científico' e pela 'evolução do pensamento humano' — o que é um dos pilares desse mesmo positivismo que eles tanto combatem. Fiquei, por isso, com uma pulga atrás da orelha ao ler passagens como essa: "sagrada é a aventura infinitamente recomeçada e no entanto indefinidamente progressiva da inteligência sobre a Terra" (p. 189).
Mas enfim né, de modo geral "O despertar dos mágicos" é uma boa leitura.
Eu me considero cético em relação a muitas coisas. Contudo, também sei que ser cético é ter como princípio que tudo é passível de dúvida. Mais uma vez: de omnibus dubitandum. Nesse sentido, acreditar que algo é falso (e que, com isso, não merece ser tratado com tanta seriedade) não é ser cético, mas apenas descrente. Me encanto lendo passagens da bíblia, livros de espiritismo e relatos de discos voadores — mesmo acreditando neles ou não, afinal pregar essas narrativas como verdadeiras ou falsas é o que a mim menos importa. Importa é conhece-las e me entusiasmar com elas enquanto narrativas.
"O despertar dos mágicos", nesse sentido, tem muitos a nos ensinar sobre a beleza das narrativas sobre o mundo (científicas, místicas, literárias y otras cositas más), fantásticas e tão diversas, que existem por aí.
"Melhor compreender é melhor aderir. Quanto mais eu compreendo, mais amo, pois tudo o que se compreende está certo" (p. 457).
*Edição que usei pra referência das páginas: 22ª ed., Bertrand Brasil, 1987.