Luiz Pereira Júnior 18/06/2022
Chorando as pitangas...
Muito já se escreveu sobre a relação entre pai e filho. Muito já se escreveu sobre a descoberta da sexualidade. Muito já se escreveu sobre a violência doméstica. E “Pai, pai”, de João Silvério Trevisan, não foge da regra.
Resumindo a obra: um personagem setentão (com muito e talvez tudo do próprio escritor) rememora sua infância marcada pela violência do pai, que não aceita ter um filho maricas, como se dizia à época. Sai de casa, vai para um seminário e, após esse período de estudos, torna-se escritor famoso e consagrado.
É claro que eu reconheço os méritos do autor, mas chega a ser cansativo ler longos trechos de psicanálise freudiana, junguiana ou seja lá o que for (li boa parte desses trechos sem atenção nenhuma; na verdade, seria melhor dizer que nem os li).
Também é irritante o tempo inteiro o autor pondo a culpa de todas as suas mazelas no pai carrasco. Lembro de ter pensado e ter dito em voz alta “Supera e cresce, João!”. Estava a ponto de abandonar o livro (algo que muito raramente faço), quando vislumbrei o perdão do autor ao pai. E nisso para mim está o maior mérito do livro: a compreensão de que o pai é fruto de seu tempo, de sua cultura, de suas experiências.
Em um dos capítulos (gostei da absoluta sinceridade do autor), ele marca um encontro com um desconhecido, que, ao final, lhe diz: P***, eu venho aqui pra conversar com um gênio e encontro um fracassado, que só sabe reclamar da vida.”
Infelizmente, o tal desconhecido ainda teria razão ao ler esse livro, mas esclareço: sob hipótese alguma alguém pode dizer que João Silvério Trevisan seja um fracassado, mas em páginas e páginas o tom parece ser apenas o mesmo: reclamar, reclamar, reclamar...
Seria muito lindo ler sobre a aceitação do filho maricas (mais uma vez essa bendita palavra) pelo pai atrasado, alcoólatra e violento, mas não seria a verdade. E nisso o livro retrata a vida como ela é. Afinal, quantos jovens que se assumem homossexuais podem contar com um pai quase idealizado como o daquele de “Me chame pelo seu nome?”. Na vida real, a história é bem outra...
Um detalhe: para quem leu ou ler o livro vai entender a razão de eu ficar atônito ao ler o absurdo no capítulo “Z de Segredo”. Nada, absolutamente nada justifica o ato defendido pelo autor! (É muito raro eu usar ponto de exclamação, mas, dessa vez, não tive como).
E não tenho como defender o autor em outro aspecto: sim, há um grande esnobismo em certos trechos. Um exemplo:
“Numa reunião de avaliação do semestre, examinei bem aquelas mocinhas burguesas e burrinhas, que acabavam encalhando no curso de filosofia por falta de condições de ingressar em outros mais concorridos. Percebi que não tinha mais nada a fazer ali. Comuniquei à classe que estava saturado de tanta mediocridade, mandei intempestivamente todos à merda e fechei minha matrícula no curso”
Sem comentários...
Enfim, retire do livro os longos trechos de psicologismos e psicanalismos explicativos da fixação do autor no pai; elimine os capítulos que não passam de “cão lambendo a ferida”, como o próprio autor escreve; jogue fora os capítulos de relatos de sonhos que o autor teve (alguns tão pretensamente elaborados que duvidei da capacidade de alguém sonhar com tanta nitidez; talvez exista sonho em OLED, pelo jeito); despeje no lixo os trechos de autoelogios, disfarçados ou não; e, embora o autor afirme por algumas vezes que não pretendeu fazer um livro piegas, ele tem razão em parte. O livro inteiro não é piegas, mas certos trechos...
Imagine o livro escrito acima. Sem dúvida, seria um livro mais curto, mas seria um livro muito maior...