Cho 08/10/2020
EU NÃO AGUENTEI LER
Ganhei esse livro de presente, não o conhecia. Depois descobri que é um spin off de outro livro, que também não conheço. Sei que a pessoa me deu esse livro com as melhores intenções, mas desde a epígrafe eu já sabia que não ia gostar.
Primeiro de tudo, a escrita não é criativa, é escrita de fanfic (o que não é um problema para quem gosta do gênero, mas não sou muito fã). Além disso, a história não me prendeu em nenhum momento. O livro também tem alguns erros de digitação, que não comprometem a leitura, mas mostram que ele não foi bem revisado. Outro ponto que merece ser destacado sobre a estrutura da obra é que a narração às vezes muda de perspectiva, de repente é outro personagem narrando. A narrativa fica dando uns saltos temporais também. E há choques de informações, por exemplo, num momento Noah diz cursar publicidade e propaganda e depois diz que cursa comunicação social.
Agora sobre o protagonista, Noah é um garoto trans com direito a todos os privilégios que qualquer homem trans com disforia gostaria de ter: já tinha nome neutro (nada de "nome morto" para aterrorizar sua vida), retificou a certidão ainda criança, já começou o tratamento hormonal antes da puberdade, fez mastectomia e histerectomia, é hétero e passável (ou seja, tem todos os privilégios de um homem cis). E o fato de ele ser trans é apenas um pano de fundo pra um romance clichê, mal desenvolvido e sem aprofundamento. Aparentemente, o único problema que ele teve durante sua transição foi a não aceitação do pai, que nem teve tanta importância assim, já que seus pais se separaram; e o medo de rejeições quando alguém que ele gosta descobrir que ele é trans e não aceitá-lo (e normalmente isso ocorre quando ele está prestes a transar, sendo que todo estresse seria evitado se ele conversasse antes????). E como ele usa packer e não há nenhuma discussão sobre isso (se é por disforia, por exemplo), faz parecer que todo homem trans usa packer.
É muito importante ter representatividade, ainda mais LGBTI+, sendo que o personagem é estereotipado, e não representativo, quantos homens trans têm os privilégios do Noah? E nem há discussão sobre esses privilégios na obra. O tema da transgeneridade é tão rasa que não me toca. Não me acrescentou nada. Também não há discussão de gênero. Os problemas do Noah são muito superficiais. Ele só pensa em mulher toda hora, em beijar, em transar. Para mim ele é de fato um "tarado viciado em sexo". Só o fato de beber água da garrafa de uma menina e sentir "o gosto de cereja dos seus lábios" já foi suficiente para PROVOCÁ-LO. A propósito, as descrições das cenas de sexo são muito ruins, totalmente idealizadas. Depois que conhece Rafa, eles têm que ficar se esfregando toda hora, parecem que vivem no cio 24h.
Apesar de afirmar várias vezes que é um cavalheiro, de cavalheiro ele só tem o cavalo, porque esse menino é um homem das cavernas, várias vezes ele foi muito inconveniente (a autora tenta mostrar o contrário/suavizar), por exemplo, quando ele agarrou Rafa pela cintura mesmo sem eles se conhecerem (para passar despercebido a autora diz que a Rafa gostou e até traz o ponto de vista dela, mas, independente da reação, foi inconveniente); ele tem uns pensamentos muito escrotos: "mesmo que a Rafa quisesse ficar, (...) eu daria uma de homem das cavernas, agarraria suas pernas e sairia arrastando-a para longe dali." (p. 85). Mais na frente esse pensamento se contradiz com o discurso de bom moço que ele quer passar quando se questiona se "OS HOMENS realmente acham que têm o direito de forçar a barra?" Sendo que ele deveria se incluir nesse grupo, porque ele está está sempre reproduzindo pensamento machista. Para mim, quando Noah entra no banheiro feminino (sabendo que é lido socialmente como homem) foi irresponsável, porque qualquer mulher se sentiria desconfortável com sua presença (ser trans e ainda mais passável não dá passe livre pra ele fazer essas coisas). Ele é todo esquentadinho, quando vê alguém fazendo merda ele quer partir pra briga, apesar de nunca tomar atitude, mas é sempre a primeira coisa que ele pensa.
Além disso, Noah não perde tempo de falar bosta, ele diz que não entende por qual motivo mulheres demoram tanto no banho e essas besteiras, pois ELES > HOMENS < tomam em cinco minutos, e as mulheres deveriam aprender COM ELES. Ele tem tanta oportunidade pra discutir gênero, mas só fala merda.
Quando ele resolve contar para Rafa que é trans, o que seria uma ótima oportunidade para se aprofundar no tema da identidade de gênero, ela simplesmente "foge" e volta com todas as informações que parecem ter sido retiradas da Wikipédia, e como com essa pesquisa ela já sabe TUDO, não há mais discussão sobre o assunto.
Noah adora reforçar que não é machista (parece coisa que machista diria, né?). Segundo ele, ele é só um "cara com algumas inseguranças" (p. 155). O que me lembra que ele é muito ciumento, mesmo que não demonstre em atitudes. Quando Rafa vai apresentá-lo a um amigo ele só se acalma ao perceber que o menino é gay. E esse personagem também é o estereótipo do "amigo gay".
O romance entre ele e Rafa se desenrola desde o primeiro dia, com um lenga-lenga durante os 6 dias de carnaval que ele passa no RJ e 80% do livro é só isso. Ele é argentino e disse que não sabe falar quase nada de português, mas na narrativa não fica claro nem foi explicado como ele conversa com Rafa e suas amigas.
Noah e Rafa tem um problema em comum: não se sentir confortável despido na frente de alguém, daí parecem partir todas as inseguranças deles, que seriam resolvidas se eles fossem fazer terapia, evitando assim ESSE LIVRO.
Aproveitando isso, a autora também trata da gordofobia, com frases prontas, um negócio bem clichê mesmo, mas ainda foi menos pior que a forma como ela tratou a transgeneridade.
Enfim, pra mim esse romance desenvolvido em 6 dias só mostra quão baixa era a autoestima dos dois e que precisam fazer terapia.