Bela 22/11/2020
Só Escute - Sarah Dessen
Só Escute acompanha a história de Annabel, uma adolescente cuja vida na escola mudou de forma drástica durante o verão quando um evento desconhecido para os leitores faz com que ela se afaste daquela que era sua melhor amiga até então: Sophie. Sendo constantemente ofendida por aquela que era sua principal parceira na escola e sentindo-se mal por algo que aconteceu envolvendo ambas, Annabel torna-se uma pessoa solitária e insegura, e mantem seus colegas e sua família afastados daqueles que seriam seus sentimentos verdadeiros.
É com dor e culpa que Annabel descreve seus dias de férias e suas idas para as aulas. Mentindo para os pais e as irmãs, ela segue em um espiral de problemas internos que só a fazem piorar enquanto os capítulos avançam.
“Sophie me odiava. Clarke me odiava. Todo mundo me odiava. Ou nem todo mundo.”
E então, algo muda quando Annabel percebe que outra pessoa na escola é tão solitária e fechada quanto ela. Owen, um dos alunos de sua escola conhecido por causar brigas e ser agressivo com os outros. Ele divide com Annabel o isolamento no horário do intervalo e, aos poucos, os dois passam a falar e a escutar um ao outro. Será que a conexão estranha que Annabel estabelece com Owen fará ela explicar pela primeira vez o que exatamente aconteceu no verão? Quais segredos estão assustando e roubando de Annabel a sua fala? Por que Owen também se mantém tão fechado quanto ela? E, quais dores eles são capazes de revelar quando finalmente possuem alguém para escutar o que eles têm a dizer?
Minha Opinião
Antes desse livro, minha experiência anterior com a narrativa da Sarah Dessen tinha sido “Os Bons Segredos”, também publicado pela editora Seguinte aqui no Brasil. Por essa razão, já esperava que o livro fosse possuir uma trama rápida e sem tantos sobressaltos de enredo que conduzissem de forma leve o leitor até uma história que tivesse um conteúdo muito sério por trás. O que eu não esperava era encontrar uma história que, por mais leve que fosse, ainda tivesse tantos momentos de apertar o coração quando se está lendo.
Annabel é dolorosamente realista em sua personalidade e sentimentos. Seu isolamento dói quando lemos porque é descrito de forma simples, mas crua: ela está sozinha porque sabe que ninguém na escola desejaria que ela sentasse na mesa com eles. Não é como se a atacassem nos corredores toda hora. Eles só deixam claro que ela não é bem-vinda. É impressionante o quanto a autora foi eficiente em passar esse sentimento de rejeição de forma tão intensa mesmo que com poucas descrições, sem precisar de metáforas complicadas ou cenas gráficas.
Acredito que esse tenha sido o principal mérito da Sarah Dessen em criar suas narrativas, seus livros sempre são simples. Não há intrigas complexas, nem bolas de neve no enredo que tragam um plot dramático demais ou difícil demais de acompanhar. Tudo é fácil de entender, só não é fácil de sentir. Não é por ter uma descrição simples que a autora faz doer menos os problemas que ela levanta.
“De olhos fechados, eu só via a escuridão e me lembrava daquele momento, do meu maior segredo; de olhos abertos, só via o mundo que não conhecia, claro, inescapável e, de alguma forma, ainda ali.”
Em Só Escute, além do mistério acerca do trauma que machucou tanto Annabel e que a fez perder sua própria capacidade de falar de si, temos também outras problemáticas envolvendo temas como distúrbios alimentares, amizades tóxicas e bullying. A família de Annabel também traz um tópico raras vezes retratado em livros: a incapacidade dos pais de perceber a dor dos filhos. Isso ocorre porque, apesar de os pais dela estarem presentes na trama, de verem o quanto ela e as irmãs dela talvez não estejam tão bem assim, eles ainda não conseguem olhar para nenhuma delas do jeito que deveriam, são incapazes de perceber o problema que se esconde por trás da mesa do jantar. E não é como se fizessem isso por pura maldade, a autora deixa bem claro esse ponto, e inclusive traz outra discussão em meio a isso levando ao ponto de fazer os leitores reconhecerem que, as vezes, os pais são tão inseguros e ineficientes quanto seus próprios filhos, afinal, eles são humanos.
A questão dos distúrbios alimentares é tratada principalmente no âmbito das duas irmãs mais velhas de Annabel. As duas, junto da protagonista, são modelos desde crianças e possuem a mãe como principal entusiasta. Já meio desiludida com essa situação desde o verão, Annabel só se mantém nos desfiles para não machucar ainda mais sua mãe que viu as duas filhas mais velhas saindo do mundo da moda. Uma por não querer mais estar no ambiente competitivo das passarelas e a outra por ter desenvolvido graves distúrbios alimentares decorrentes da pressão que esse universo proporciona. Acompanhar o olhar de Annabel na recuperação da irmã mais velha e no quão doloroso é esse processo é um dos aspectos mais instigantes da narrativa.
“Eu não minto”, Owen dissera, com a mesma certeza de alguém que diz que não come carne ou não sabe dirigir. Eu nem sabia se conseguia imaginar uma coisa daquelas, mas mesmo assim invejava a franqueza fácil dele, a capacidade de se abrir para o mundo em vez de se fechar cada vez mais.”
Já quando observa-se o Owen, o garoto com quem Annabel aprende a reestabelecer suas conexões com as pessoas, podemos observar diretamente o quanto a problemática do bullying pode afetar uma pessoa. Owen é considerado agressivo na escola por não ter abaixado a cabeça quando um dos meninos populares o atacou verbalmente no estacionamento. Uma briga foi o bastante para que todos da escola tivessem medo dele. A própria Annabel tinha receio de conhece-lo, e é por meio da hesitação dela e da sua surpresa quando conhece um garoto que não condiz com o que os estereótipos que o leitor compreende o quão ruim pode ser alguém silenciar sua voz, afinal, ao silenciar a voz de alguém, você também anula quem essa pessoa é.
Owen é aficionado por música e é por meio dela que ele expressa o que sente. Em meio a conversas sobre bandas indie e cantoras pop, Annabel e Owen descobrem que basta alguém escutar você para que as relações a sua volta sejam outras. É escutando Owen e sua música que Annabel reencontra a voz que ela tinha perdido quando Sophie a acusou de algo que ela não tinha feito sem sequer perceber que havia um mal muito maior ao redor delas. E é por meio de músicas e pequenas vitórias comunicativas que Sarah Dessen leva os leitores para o principal problema da trama: o silencio das vítimas de abuso sexual.
De forma geral, Só escute é um livro aparentemente leve e simples, mas com tramas e lições que pesam por serem necessárias. É leitura essencial para adolescentes e mesmo adultos que desejem entender o universo dos jovens para além dos estigmas da TV e do senso comum. Se você gosta de tramas diretas, mas que proporcionam discussões sérias sobre abuso, traumas e bullying, Só Escute é uma ótima escolha.
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