Renata (@renatac.arruda) 02/10/2018
Frantumaglia, uma palavra utilizada pela mãe de Ferrante, pode ser entendida como "emaranhado", um conjunto de fragmentos desconexos. É um título pertinente a este livro de difícil classificação, que mistura entrevistas, cartas, e-mails, trechos excluídos e até um breve conto inédito. Com exceção de seus editores, Ferrante só se comunica com os outros de maneira escrita, e isso inclui até mesmo a consultoria prestada aos cineastas que adaptaram seus dois primeiros romances, Um Amor Incômodo e Dias de Abandono. Sendo assim, este não deixa de ser também um livro, de certa forma, literário em que as respostas de Ferrante muitas vezes se aproximam do ensaio ou de breves introduções reflexivas. Isso faz com que a leitura corrida se torne um pouco cansativa, pois além de haver muita densidade nas entrevistas, algumas perguntas se repetem e deixam a sensação de estarmos lendo a mesma coisa com palavras diferentes.
Apesar disso, vale muito a pena. Ferrante me pareceu a entrevistada dos sonhos, mesmo quando não quer ou não tem muito o que dizer. Suas respostas são bem elaboradas, levando a sério as perguntas que são feitas e sem a utilização de artifícios como frases ensaiadas e respostas padrão. Há muito material aqui para entender como seus livros foram concebidos, o que ela pensa do feminismo, da tradição literária, da psicanálise, do tratamento dado à amizade feminina na literatura e na sua Série Napolitana. São reflexões riquíssimas, que muito me inspiraram e colocaram para pensar. Ela também não foge a perguntas sobre sua identidade e opção de se manter afastada do público e da mídia, e ficamos entendendo melhor que o que começou como uma forma de proteger seus entes queridos e a comunidade napolitana onde cresceu, aos poucos passou a se tornar uma rejeição ao circo midiático que transforma a busca por sua identidade como algo mais importante que a literatura. Ferrante, que acabou sendo revelada recentemente, deixa bem claro que tudo o que há para saber sobre ela está em suas obras, que de forma alguma podem ser chamadas de anônimas: são todas assinadas, o que falta é apenas um rosto para esse nome.
Ainda que, provavelmente, agrade mais aos fãs da autora, por discutir bastante a sua obra, o livro passa ao largo de polêmicas e fofocas e está repleto de joias para quem ama literatura e fazer literário. Os apaixonados pela Série Napolitana também vão encontrar muito material para entender melhor Lenu e Lila (de quem a autora se sente mais próxima) é vão descobrir que a história foi baseada em uma longa e complexa amizade real de Ferrante, com uma mulher que já morreu.
Recomendo fortemente a entrevista para a Vanity Fair (publicada em duas partes no site) e a última, concedida ao autor Nicola Lagioia. E uma curiosidade: Ferrante é leitora de Clarice Lispector
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