Flávia Menezes 11/04/2023
?O TIGRE AGARROU A RAPOSA PARA COMÊ-LA NO ALMOÇO.?
?O lugar de uma mulher neste velho mundo / Está sob o comando de algum homem / E se você nasceu mulher / Você nasceu para ser ferida / Você nasceu para ser pisada, enganada, traída / E tratada como lixo / Ah, se você nasceu mulher / Você nasceu para ser ferida?.
A canção ?Born a Woman? da cantora country que fez sucesso na década de 1960, Sandy Posey, é um texto que abre esse livro que o mestre Stephen King escreveu em conjunto com seu filho mais novo, Owen King, intitulado ?Belas Adormecidas?, e publicado em 26 de setembro de 2017, trazendo em suas páginas pautas polêmicas, tais como a questão da violência doméstica contra mulheres, abuso e assédio sexual, questões de gêneros, controle de armas, entre outros.
Nesta história, as mulheres são acometidas por uma doença em que, quando caem no sono, seus corpos são cobertos por um tipo de casulo, onde elas permanecem adormecidas, e se acordadas, sua ira é tão grande (especialmente relacionadas ao sexo masculino), que elas são capazes de matar. Porém, o que os homens não imaginavam é que ao adormecer, as mulheres acordam em um mundo diferente, e quanto mais elas adormecem e voltam a acordar neste novo lugar, mais marcada fica a divisão entre um ?mundo somente de homens? e um ?mundo somente de mulheres?.
Durante o desenrolar da história, alguns simbolismos são incorporados, como é o caso da personagem Evie Black, uma mulher misteriosa e cheia de poderes, que faz alusão a primeira mulher, Eva, trazendo consigo toda a questão do ?pecado original", bem como a raposa e o tigre, que são dois personagens de uma fábula chinesa onde uma esperta raposa consegue enganar um faminto tigre, fazendo-o acreditar que ela é um ser enviado pelo Imperador do Céu, escapando assim de virar sua refeição do dia.
E enquanto os personagens tentam exaustivamente encontrar uma cura para essa ?Epidemia da Aurora?, como foi chamada, e ainda tendo que se esforçar para proteger Evie dos homens que querem matá-la, os Kings vão nos fazendo refletir sobre as dificuldades que nós, mulheres reais, também passamos para viver nesse mundo.
O comportamento agressivo masculino americano entrou em grande debate nos Estados Unidos, quando em 2019 a APA ? Associação Americana de Psicologia lançou as ?Diretrizes da APA para a Prática Psicológica com Meninos e Homens?, onde ligavam ?noções restritas da masculinidade tradicional? à agressão, homofobia e misoginia, dizendo que tais noções ?podem influenciar os meninos a direcionar grande parte de sua energia para comportamentos perturbadores, como bullying, insultos homossexuais e assédio sexual, em vez de acadêmicos saudáveis e atividades extracurriculares?.
Foi a primeira vez em seus 127 anos de história que a APA emite diretrizes para auxiliar os psicólogos a abordar questões específicas com homens e meninos. Mas uma conduta tão séria como essa não surgiu do nada, mas sim de uma série de resultados sombrios de pesquisas que revelaram que os homens são quatro vezes mais propensos do que as mulheres a cometer suicídio em todo mundo, bem como muito mais propensos a serem presos e acusados por violência doméstica à sua parceira nos Estados Unidos, trazendo o inídice chocante de que 90% dos homicídios são cometidos por homens.
Esse tema da ?masculinidade tóxica? tem ganhado mais força no Brasil mais recentemente, onde encontramos psicólogos discutindo a questão em suas mídias sociais, porém sem que haja alguma diretriz específica divulgada pelos Conselhos de Psicologia para orientar os psicólogos em como atuar em seus consultórios com questões específicas ligadas ao comportamento (agressivo) de homens e meninos.
A masculinidade em si não é tóxica, e nem os homens são nossos inimigos íntimos. Mas é certo que o número de casos de assédio e violência contra a mulher aumentam cada vez mais, e não há como negar que algo, nessa convivência entre os gêneros, está dando errado. E muito errado!
Achar que homens e mulheres precisam ser iguais é um grande erro. Afinal, lutar para que mulheres com competências e habilidades para ocupar cargos que anteriormente eram restritos aos homens, é algo válido. Assim como o fato de se lutar para que as mulheres que ocupem a mesma posição que um homem, sejam remuneradas e recebam os mesmos benefícios que eles possuem, também é de suma importância. Mas isso não quer dizer que tenhamos que ser iguais em tudo, porque isso (inclusive!) é biologicamente impossível.
Eu não sei você, mas eu não quero ser um homem. Independentemente das fragilidades nas quais estamos expostas (e é fato que realmente estamos!), eu gosto de ser mulher, e gosto de viver a minha feminilidade em tudo o que ela me oferece, especialmente quando posso expressar a minha natureza feminina em sua plenitude.
Aliás, algo que tem se tornado muito comum na atualidade, é a busca das mulheres por cursos para desenvolver o seu feminino. E muito disso vem acontecendo porque muitas mulheres perderam a sua essência feminina. Até mesmo porque entre nós mulheres não existe um acordo entre o que é ser mulher, ser feminina. E diante dessa problemática, e embasados por sérias abordagens psicológicas, profissionais qualificados têm trabalhado a questão para que não percamos a nossa essência, e nem fiquemos polarizadas no masculino.
Agora, do que não tem como fugir quando tocamos nesse assunto dos problemas entre os gêneros, é falar sobre os assédios e os abusos sexuais às mulheres. Um assunto que os King trouxeram neste livro de forma nua e crua.
Este ano, o Big Brother Brasil teve dois de seus participantes (dois homens) eliminados pelo próprio programa por assédio sexual a uma participante mexicana que fazia um intercâmbio entre programas (Brasil e México). E tudo porque a própria polícia do estado do Rio de Janeiro é que abriu o inquérito para apurar o caso, e os ex-participantes do reality show estão respondendo juridicamente pelo seu comportamento.
A verdade é que se todos nós respeitássemos mais o espaço do outro, nada disso aconteceria. Mas o limiar do até onde me é permitido ir, parece que há muito tempo foi extrapolado. E posso dizer? Isso vale tanto para mulheres quanto para homens.
Nesse mundo proposto pelos King, onde mulheres dariam início a um novo mundo, coordenado por elas, acho que faltou um pouco mais de realidade de que um mundo exclusivamente habitado por mulheres está muito longe de ser o paraíso. E isso por conta dos conflitos que vivenciamos dentro do nosso próprio gênero. Afinal, sejamos honestas, mas a verdade é que falamos tanto de sororidade, mas é fato que muitas vezes somos as primeiras em julgar umas as outras. Não foi o que aconteceu com a atriz Klara Castanho, ao ser fortemente atacada pela apresentadora Antonia Fontenelle e a YouTuber Dri Paz? Onde estava a empatia? E a famosa sororidade? Enfim... melhor nem entrar nessa discussão...
O fato é que os assuntos abordados neste livro são tão complexos quanto também são polêmicos. E muito embora ainda precisamos encontrar uma forma de compreender que homens e mulheres não são inimigos, ao contrário, que somos complementos essenciais para vivermos tanto a masculinidade quanto a feminilidade em sua plenitude, ainda temos muito o que refletir e discutir sobre o assunto.
Mas aqui, neste livro, confesso que os King foram muito superficiais, e no final, perderam completamente a mão, deixando de lado o tema central do livro que é a diferença entre os gêneros para seguir por caminhos totalmente sem sentido.
Não! Definitivamente um mundo somente de mulheres não seria ideal. E foi interessante ver como os autores deixaram claro a todo instante que os homens em momento algum desejavam viver um mundo só de homens. Então, por que as mulheres iriam achar ideal viver em um mundo só de mulheres? Sabe o que eu realmente achei? Que o Owen (porque o pai jamais faria isso!) estava tão preocupado em como homem, se redimir diante das mulheres, que ficava a todo instante tentando dizer que as mulheres são seres melhores e que não precisam dos homens. Mas precisamos sim! E vice-versa!
A minha vida sempre foi com muito mais mulheres ao meu redor, do que homens. Mais tias do que tios. Mais primas do que primos. E eu só tenho irmãs mulheres. E por isso, eu preciso dizer que eu nunca (mais nunca mesmo!!) fui educada como se eu fosse de um sexo frágil. Ao contrário até! E eu sei que sou uma privilegiada por isso, porque sempre fui criada para ser forte por mim mesma. Embora nem sempre, seja fácil para uma mulher se defender sozinha!
Para mim, "Belas Adormecidas" começou muito bem. Mas os King se perderam completamente no final, e o seu tema central, ficou totalmente esquecido. E por isso, para mim, é um livro razoável.
A verdade é que fomos criados com perfeição, e é quando estou diante do masculino que o meu feminino é ainda mais intenso e muito mais poderoso. E a beleza está exatamente nesse encontro. Que apesar de grandes confusões e conflitos por conta das suas (abençoadas!) diferenças, homens e mulheres foram criados para se complementar. Mas nunca, para se fundir!