Passagem

Passagem Francismar Campoli




Resenhas - Passagem


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Crítica, eu? 24/02/2019

Passagem
No cinema, a construção de um ambiente de horror e medo é feita a partir de diversos elementos. A trilha sonora, a montagem, a direção, as atuações, a fotografia e a própria narrativa, que envolvem (ou não) o espectador na história. No entanto, na literatura, essa ambientação depende apenas da leitura, que, por sua vez, é dependente não só de uma boa história, mas principalmente de um autor competente o bastante para fazer o leitor tremer de medo em poucas frases.

E essa é uma habilidade felizmente presente no escritor Francismar Campoli, autor de Passagem. Com uma história aparentemente simples, mas uma escrita elegante, Campoli narra a ida do personagem Sérgio a uma cidade do interior da Paraíba, de mesmo nome do livro. Lá, o protagonista busca descobrir fatos do passado do pai, que chegou à cidade anos antes e passou por situações marcantes. No local, ele encontra Carla, uma sedutora dona de pensão, que faliu há tempos por falta de hóspedes.

Em meio a isso, Sérgio começa a viver uma série de situações sobrenaturais envolvendo a aparição de uma mulher desconhecida, que persegue o protagonista por onde ele vai e surge nos momentos mais impensáveis e repentinos. Numa história que tem seu plot desenvolvido em apenas dois dias, na temporalidade do livro, Passagem presenteia o leitor com uma narrativa aterrorizante com apenas um elemento tenebroso, apresentado ainda na primeira página do livro.

Como dito antes, o autor tem uma escrita muito elegante – não confunda com rebuscada. Não é um livro recomendável para um leitor iniciante, por exemplo, e não somente por sua história assustadora. Campoli é cuidadoso, objetivo e preciso em suas colocações. Poucas vezes o escritor descreve excessivamente os ambientes ou seus personagens e isso é de um acerto imenso, já que ele utiliza dessa forma de escrever para criar o sentimento de apreensão e nervosismo pela falta de elementos a que o leitor pode se segurar.

Há poucos personagens, alguns deles aparecendo em apenas um ou dois capítulos, sem muito aprofundamento. No entanto, enquanto essa característica na mão de um escritor mais inexperiente ou descuidado poderia ser encarada como um defeito, aqui é um grande ponto positivo de Passagem. O autor sabe onde quer chegar e, se alguns personagens aparecem pouco, é porque já cumpriram sua missão na história e isso pode ser percebido facilmente pelo leitor. Não há necessidade de inseri-los em outras partes ou explicar detalhes sobre as suas vidas que não serão relevantes para o enredo.

Outra característica preciosa do autor é conseguir mesclar o horror e o erotismo em poucas orações. As visões do protagonista Sérgio sobre Carla são regadas de sexualidade, sem nunca beirar ao vulgar ou expositivo desnecessário, em relação à mulher. Ao mesmo tempo, na cena de sexo entre eles, a descrição é tão sensual quanto tenebrosa, dada a situação em que os dois se encontravam.

Pouca coisa pode ser dita da história sem correr o risco de contar spoilers. No entanto, uma questão importante tratada no livro, que pode ser interpretada de diversas maneiras, é necessária ser falada.

Cada personagem do livro, de uma forma ou de outra, possui um passado envolto em tristeza e mortes, sejam essas provocadas ou inevitáveis. De alguma maneira, eles têm traumas que carregam de forma tão profunda e intensa que mal conseguem superar ou esquecer. Sérgio é o exemplo mais evidente disso, já que só procura saber sobre o passado do pai após a morte dele e a um pedido da mãe, que quer descobrir quem é a segunda família constituída pelo marido numa traição.

De alguma forma, a cidade de Passagem, que atrasa relógios e para o tempo, estaciona também os temores e amores, cercados pelos poucos estabelecimentos e ocorrências daquela localidade minúscula e esquecida.

Além disso, tem-se ainda a entidade que persegue Sérgio e que, ao mesmo tempo, faz com que ele expresse seus mais intensos desejos – ele e Carla. Ou seja, a aparição tanto pode ser interpretada dessa forma mais simples, como um espírito obsessor, quanto como uma metáfora de escape dentro daquela cidade que aprisiona e atrasa.

Dessa forma, Passagem aterroriza e encanta com suas questões complexas envolvidas por uma história não tão simples assim. Com capítulos são curtos, fáceis de serem lidos em poucas horas, o livro pode ser aproveitado em apenas um dia. A única ressalva feita a quem se aventurar pelas páginas de Passagem é: não leia à noite!

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