André 15/01/2024Apesar de ter gostado mais da adaptação cinematográfica pelo Tarkovski, Piquenique na Estrada ainda assim é um livro excelente e que traz uma perspectiva diferente dentro da ficção científica.
O primeiro ponto é em contar a história da perspectiva de um cidadão comum, de um fudido assalariado como eu e você. Em geral, nas ficções científicas, especialmente se envolvem contato com alienígenas, os personagens principais são sempre figuras de poder, sejam líderes mundiais, grandes cientistas, políticos, militares etc. Então, contar pelo ponto de vista de um contrabandista, que tá sempre a um passo de ser preso traz uma visão necessária, de como realmente seria uma experiência dessa magnitude para pessoas comuns.
Também gosto muito da abordagem de como o ser humano simplesmente não consegue compreender essa nova vida inteligente com quem teve contato. Essa é uma abordagem que também é feita em Solaris, do Stanislaw Lem, que também virou filme com o Tarkovski, e gosto bastante dessa reflexão. Nós ainda estamos aprendendo sobre o nosso próprio planeta e as formas de vida aqui presente, o contato com vida alienígena seria um desafio absurdo, descobrir e entender tudo o que envolve esses visitantes demandaria várias gerações mesmo.
Outro aspecto excelente do livro é na abordagem em como as instituições agiriam em uma situação dessa. E não se trata apenas do Estado, mas na movimentação de grandes empresas, dos bilionários, pessoas com poder. A manipulação da população para atender as interesses desses poderosos, o péssimo gerenciamento urbano e social das consequências da visitação. E é bem realista porque na vida real vemos exemplos claros de como essas instituições lidam com desastres, vide Brumadinho, Mariana e em Maceió.
E por fim, acho que a visitação também é uma reflexão sobre nossa relação com a natureza e nosso descaso e descuido com ela. No livro há metáfora feita por um cientista usa para refletir sobre a passagem dos alienígenas ser igual um grupo de amigos fazendo um piquenique a beira da estrada e depois indo embora no dia seguinte e deixando um rastro de sujeira no local, que os pequenos animais da região se sentem igual aos personagens com a visitação extraterrestre. O livro foi escrito em uma época em que a preocupação ambiental ganhava muita força e entrava na discussão internacional, sendo bem evidente na obra essa preocupação, aliás há até uma discussão sobre exposição radioativa e doenças e mutações que poderiam gerar nos humanos.
Tirei meia estrela na avaliação por conta da tradução. O livro tem uma narração bem crua, com vários palavrões e termos "grosseiros", mas que foram traduzidos como se fossem um filme da sessão da tarde. Ficar lendo "filho da mãe", "sacana", "tiras" etc. é meio merda, e lendo o posfácio escrito por um dos autores, contando que tiveram problemas para publicar o livro porque a censura soviética queria retirar vários desses palavrões e expressões depreciativas me fizeram sentir que a tradução foi bem "sacana".
De qualquer forma, excelente livro, vale demais a leitura.