Sinistros insones

Sinistros insones w. teca




Resenhas - Sinistros insones


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Lua 13/09/2017

Prefácio por Marcelo Sandmann
Sinistros insones é o livro de estreia de W. Teca. Já numa de suas primeiras páginas, num fragmento em prosa que lhe serve de abertura, podemos ler: “um dia começa com uma noite. (...) pena de você, meu velho. três horas da manhã: um bar e todas as normas da língua portuguesa, nenhuma certeza, e um grau elevado de álcool. está aqui um romance.”

Teca insere-se numa tradição de poetas curitibanos que transitam livres entre botecos e bibliotecas, cultivam com bom desdém as nor-mas da língua portuguesa e mantêm sempre um grão de lucidez em meio ao elevado grau de álcool. Penso em Paulo Leminski, mas também em outros, dele próximos, mais restritos à cena da cidade: Marcos Prado, Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos, Roberto Pra-do, para citar alguns.

Gatos pardos, poetas bandidos, sujeitos sinistros, são autores noturnos, que fazem “ro-mance” com os lances da própria vida, de ma-neira a não sabermos muito bem onde termina a biografia e onde começa a ficção. Teca é um poeta lírico, mas um lírico que toca o sórdido, e não tem pudor de escancarar intimidades meio inconfessáveis, por vezes com o bom tempero da auto-ironia: “como bom covarde que me sei / prefiro um suicídio lento / porque porcos poetas se fazem / cozinhando o galo em banho maria”. Ou, em chave auto-reflexiva, metaliterária: “sim buana / poemas são sobre poemas / este poema (por exemplo) / só fala de si mesmo / (poetas só falam de si mesmos) / o resto é fruto de ressacas mal curadas”.

Há uma clara tomada de partido pelo que vem das ruas, pelo que não tem compostu-ra, pelo que foge às normas e está à margem: “quem dera eu tivesse palavras / sublimes para um poema sublime / cheio de mensagens sub-liminares”. No entanto, “as minhas palavras vêm do submundo / zorreiras / pau / cu / boceta / carninha mijada e chapelada”. Ecos de tantos malditos, marginália sempre revisitada: “não gosto de bicicletas / não gosto de bichi-nhos fofinhos / não gosto da maior parte das pessoas que conheço / e a maior parte das pessoas que me conhece não gosta de mim / (...) / não confio em homens de terno / nem em mulheres peladas / (...) não gosto de escritores cultos que fizeram pós-doc / (...) não gosto de músicos que foram ao conservatório”. A eles são preferíveis os “bebuns de esquina que calam / e observam / até que numa cusparada / viva / honesta / sincera / lançam fora o palito de rollmops”.

A embriaguez é motivo recorrente ao longo do livro, vinculada à própria imagem do poeta, mas também ao ambiente que frequenta: “abalroado / o gajão vinha vindo / cheio de rum / como um galeão / paraguaio // cruzou os sete mares da cachaça”. Ou ainda: “havia um bêbado / vítima de escárnio / pois o tal bêbado / acendia cigarros ao contrário.” E um último exemplo, emblemático: “a vida é um grande boteco / donde navega meu olho / torto de noitadas nas quebradas / meu coração rasteja afoito”.

Outro tema frequente é a mulher e a vivência amorosa, nunca em registro idealizado: “prefiro mulheres que não sentem frio / e que ao redor do umbigo estremecem // não com-preendo as que rezam / (e muito menos as suas preces) // (...) adoro as que pecam e depois adormecem”.

Também a cidade, não em abstrata re-presentação de urbe moderna qualquer, mas sim uma Curitiba bem palpável (onde transitam as personagens dessa poesia), surge cantada, em versos que ecoam as tantas loas que Dalton Trevisan já fez à cidade: “curitiba você era toda lindinha / lascívia e recato no encanto caipira / de suas ruas molhadinhas / / (...) curitiba (ah Curitiba) / porque suas polaquinhas / perderam a classe / (viraram cosmopolitas multimídas) / e caminham descalças pela cruz machado / estragando a chapinha do salão marli”.

Mas se a poesia de Teca prefere quase sempre o registro coloquial e cotidiano, num ritmo rente à prosa, por vezes encontramos também momentos de dicção mais solene, mais elevada, que contradizem as intenções mais explícitas do autor e propõem um bom contraponto dentro do livro: “desvendando-a no caminho dos segredos / teci flores de um fogo admirável / corpo e alma num deserto meu apenas / que outrora demarcara as suas margens // (...) quantos ecos de palavras lanço ao vento / e nem mesmo a minha sombra a sua sabe / se a canto em prosa em verso ou devaneio / a sua boca pede apenas que eu me cale.”

Ao contrário daquela que o poeta evoca nos versos acima (provavelmente a mulher amada, que quer calá-lo com apelos ou beijos; quem sabe se a própria poesia?), eu, ao cabo desta breve apresentação, sugiro aos leitores que adentrem agora o livro e confiram, por conta e risco, o que o autor preferiu não calar.

TEXTO ESCRITO POR Marcelo Sandmann, professor doutor na UFPR, autor e poeta
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Laboralivros 11/04/2018

Sinistros Insones, resenhado por Tarik Alexandre
A existência é uma trapaça. É isto que Teca nos diz em Sinistros Insones. Não pretendo resenhar aqui aspectos formais e cumprir todo o protocolo sobre este livro de poesia. Aliás, isto diante desse trabalho seria um crime. Sinistros Insones trata-se, antes de mais nada, de um livro sobre a dor do mundo. Parece inegável, ao visualizar a composição de que ele se vale, que estejamos lidando com uma realidade inconclusa: certamente, Sinistros Insones é a noção de um livro incompleto. Teca não se torna poeta, não se faz poeta: o agir poético reside diante da impossibilidade da conclusão de sua finalidade. Diante dessa contradição, é ele o homem dos cigarros a arder entre os dedos, a observar as polaquinhas desfilarem rebolantes pelos quiosques dos cachorros-quentes da madrugada do centro-velho de Curitiba com o umbigo de fora. A poesia em Teca é da ordem do marginal, em que o explícito e escancarado de uma realidade de uma noite mal dormida desflora ante o espectro do cansaço. É na embriaguez que se recontam os meandros das gentes que são despojos, esquecidas entre os quarteirões, nos pequenos botecos e bibocas. Teca é um Sinistro, Sinistro como aquele que voa pelo thunderbolt da praça do expedicionário, em chinelos de dedo a retomar a dura experiência da realidade como um acesso de melancolia. A cada tragada de uma proximidade com a morte, nota de imediato o fatal destino de todas as coisas numa coincidência com o viver.


Não há paginação em Sinistros Insones. Evidentemente é um livro que não se pretende honrar à lógica e a precipitação: leia-se com cuidado e atenção. Também não iremos encontrar títulos na maioria de seus poemas. Há a despreocupação com a determinação de uma síntese, mas sim a preocupação com o vagar de um pensamento em crise. Para tal é interessante que Teca se valha de referências de toda a ordem: desde músicas do Roberto Carlos, Heidegger, até o Rubayat do Omar Khayyam. Erudito, mas da ordem do acaso, erudito distante dos homens dos pós-doutorados e da personalização do lattes e plataforma sucupira. Rebelde. É como se do vinho de Khayyam (talvez de Baudelaire?), Teca retirasse o véu daquilo que lhe causa o mal-estar e a labuta da escrita: a vida, vida crua e maldita. A matéria da carne, carne bem mijada e escatológica de um mundo espantoso, grotesco e rudimentar é o que fascina, remonta o existir o escrever. Porém, não vale a pena: escrever é o esforço inconcluso de algo infindável, uma completude que jamais alcança uma possibilidade de captura da essência das coisas. Ora Teca, é gauche na vida. É gauche da ordem do ditirambo, da alegria no interior da tristeza, acometido do irreversível feitiço da bílis negra: ser poeta.

Ante a loucura de Dioniso na contemporaneidade, sempre a observar as sarjetas das esquinas das nossas casas, estará lá o Sinistro Insone como um flâneur atento as elucubrações dos dias e das gentes esquecidas. Em poucas páginas de Teca, há de encontrar a angústia do mundo num bocejo tupiniquim, das vielas curitibanas a céu aberto para o leitor atento e profundo. Vale a pena.

Cabe a pergunta: Sinistro, quo vadis?

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