Matheus 20/09/2021De elos simbólicos, um nó para encerrarComecemos do final. Refiro-me aqui à primeira seção do último capítulo. Isto porque me rendeu uma catarse digna de um espetáculo. A cena em que Shingo tenta colocar a gravata em uma manhã outonal. O inverno se aproxima e ele tenta colocar uma vestimenta ocidental. Em um de seus acessos de decadência, ele esquece o modo de fazer o nó da gravata. Justo esse hábito diário, tão comum...
Vendo ocorrido, Kikuko, a nora apaixonada, tenta acudi-lo. Sem sucesso, desiste e passa a tarefa para a espoa, Yasuko. Por um breve momento Shingo desfalece e lembra-se do som de uma avalanche... Uma ilusão que anuncia sua morte. Crendo ter passado por um derrame, finalmente abre os olhos. Mas a gravata está com os lados invertidos. Shingo também se lembra de que sua antiga paixão, a irmã mais nova de Yasuko, sua cunhada, já falecida. Ela fizera o nó da sua gravata pela primeira vez. Mesmo Yasuko tendo sido sua fiel companheira.
A gravata faz alusão ao elo, a união, ao firmamento de relações. Preparação para o ambiente de trabalho ou de oficialização do amor, o casamento. Em suma, compromissos e seus símbolos. Nessa cena, o elo formado pode indicar as relações formadas entre o novo e o velho, o inaceitável e o aceitável, o antinatural e o natural. Nessa cena ficam claros dois papéis: uma pessoa mais nova, que aqui representa as novidades que um Japão moderno anuncia; uma pessoa mais velha, já com estreitos laços tão sólidos, que representa o tradicional Japão.
Kikuko, sua nora, apesar de apaixonada, é inexperiente e sofre. Nunca colocou gravatas. Também tem que carregar um relacionamento sofrido e infeliz com o marido, Shuichi, que a trai com uma viúva de guerra. Não sabe corresponder aos ritos, aos formalismos. Ela também lembra a Shingo uma paixão antiga, a irmã mais nova de Yasuko, já falecida. Aqui, a Ilusão de um relacionamento duradouro que não vingou. Já para Yasuko, o problema da gravata é resolvido, apesar de relutante. Não acredita que seu velho esqueceu de seu hábito! Mas sua prática é falha, o nó não sai bem.
Mesmo sabendo por tanto tempo arrumar sua gravata, a dúvida acontece. Querendo ou não, Shingo se permite um instante de dúvida, como quem não sabe que caminho escolher. Quisera ele deixar as coisas como eram mesmo... Se o soubesse. Como quem renasce, precisa morrer um antigo eu. O velho acaba prevalecendo ao novo, pois Shingo resiste mesmo não sabendo que elo estabelecer.
Que projetos de vida tomamos a partir deste elo? Não podemos ir ao caminho da ilusão porque nenhum deles é perfeito. São versões que não permitem uma perspectiva total sobre o resultado. Permitir que tradição entre em ruínas com a decadência da cultura japonesa? Permitir a introdução do ocidente, sob a ameaça de apagar o que manteve forte a nação japonesa? Sua rigidez, sua beleza, sua cosmovisão, seus elos com a vida sorrem risco de se perder ante à modernização?
No primeiro plano observamos a decadência da vida ante a estruturas tão firmes e estáveis, como a natureza que nasce e se desfaz antes a nossos olhos. Enquanto isso definhamos com as dificuldades; ela se erige, bela e imponente. Em um segundo plano, são trazidos muitos elementos que ajudam a suscitar a tensão entre modernidade e tradição.
Lembremos agora que é outono e o invernos e aproxima...Com quem estará junto nesse período de frio? Que alimentos terá a família? Que folhas devem cair para renascer uma árvore mais frondosa? Ou seria outro o objetivo, uma árvore mais firme?
Como a analogia dos peixes do outono (ayu)... Quem se resguarda em casa? Quem sai da toca para a vida?