Nandara.Secco 11/01/2024
E se...?
Nunca havia lido nada de Milton Hatoum e fiquei muito surpresa com sua escrita: magnética e que diz muito sem muito dizer.
Suas cenas interrompidas e as falas de personagens que se inserem em contextos inacabados são recursos geniais para tratar do horror que foi o período da Ditadura Militar no Brasil. Isso porque essa mancha em nossa história deixou muitos desaparecidos (o que talvez seja o caso da mãe do protagonista?), assim como esperanças interrompidas. Portanto, a sensação de "não finalização" me pareceu uma ótima forma de captar o sentimento da época.
Outro importante elemento da obra é a quase tangível sensação de que "nada acontece" ao longo da história, a qual trata a rotina e as confusões internas e externas (haja vista a época em que se passa) de Martim, um jovem sem muita ambição e talento, diferente de seus amigos. Tal sentimento, no entanto, é exatamente o que cumpre o papel de terror do período , ou seja, o "o que será que vai acontecer?", isto é, o medo que vai crescendo ao longo da narrativa, e é transmitido por meio do "tudo pode acontecer a qualquer momento", sem que nada de fato aconteça, ocasiona sempre a pergunta "é agora?" na cabeça do leitor. Um suspense mais do que bem feito.
A falta de respostas a diversas perguntas do protagonista e a constante volta a situações hipotéticas (e se minha mãe não tivesse ido embora? e se meu pai fosse diferente?) faz também com que imaginemos um país diferente, que até hoje tem de lidar com reverberações dos "anos de chumbo".