Héber 25/04/2011
Pregador falho falando a cristãos falhos
O livro de John Stott é realmente impressionante. Gostei muito de sua abordagem ao falar sobre a pregação. O autor escreve muito bem, sem muitas palavras difíceis, o que torna a leitura do texto muito dinâmica e fluente e com fácil assimilação do conteúdo. Dediquei um final de semana para ler este livro inteiro, assim, tive um contato muito próximo com o autor e suas idéias, e uma leitura muito intensa e profunda sobre a arte da pregação.
Enquanto lia eu anotava alguns pontos que eu achava relevante para escrever e refletir mais profundamente nesta resenha, no entanto, depois que terminei a última página percebi que os pontos destacados tinham excedido o número de vinte e ficaria difícil falar sobre cada um deles num limite de quatro páginas. Desse modo resolvi destacar os pontos que acredito ser-me-ão mais úteis para o meu ministério de missionário anunciando a Palavra de Deus em contexto transcultural. Além destes pontos também vou ressaltar aqueles que me tocaram de maneira mais profunda e pessoal como cristão e futuro ministro do Evangelho.
Achei muito interessante como o autor torna indissociável a pregação da Palavra e a Adoração. A pregação é responsável por mostrar ao ouvinte as maravilhas do Deus vivo e verdadeiro. Através da pregação o crente pode conhecer melhor a Deus, seus atributos e essência e se derramar diante Dele e adorá-lo pelo que Ele é. O adorador estará mais sensível ao seu objeto de adoração se melhor o conhecer. Segundo o autor, na pregação o Nome do Senhor é conhecido para que na adoração o Seu nome seja louvado. Gostaria de citar literalmente a frase que mais me chamou a atenção neste ponto do livro. Stott diz que: “nossa adoração é fraca porque nossos conhecimentos de Deus são fracos, e nossos conhecimentos de Deus são fracos porque nossa pregação é fraca.” (p.89). Puxa, como essa frase me impactou profundamente!
Logo me veio à mente uma associação semelhante que John Piper faz em Alegre-se os Povos. Ele afirma que missões existem porque Deus não é adorado por todos os povos. A Adoração é tanto o combustível que impulsiona missões (fazer com que todas as pessoas conheçam a Deus para o adorarem) quanto o seu objetivo principal (adoração de todas as pessoas a Deus). “Onde a Paixão por Deus é fraca, o zelo por missões será fraco” (p.14). Se colocarmos em paralelo as idéias de Stott e Piper veremos mais semelhanças do que simplesmente seus primeiros nomes. É Através da pregação que o homem tem consciência do Deus que serve e o adorará por tê-lo conhecido melhor, por outro lado, se esse Deus não é adorado entre todos os povos, é necessário que Ele seja conhecido por esses povos para que eles o adorem. Em vista disso percebo duas funções essenciais da pregação: levar o cristão a adorar a Deus e levar o cristão a tornar o nome de Deus conhecido entre as pessoas que não o reconhecem como Deus verdadeiro para que elas o adorem. Assim, podemos parafrasear Piper dizendo que a adoração é não só o combustível que motiva a pregação como também o objetivo dela.
O capítulo três Stott dá algumas bases teológicas para a pregação iniciando nas convicções que o pregador precisa ter sobre o Deus que prega. É uma dessas convicções que eu gostaria de destacar. Deus tem falado. Neste ponto vemos Deus comunicando sua vontade ao povo ao longo de sua revelação. “A fala de Deus relacionava-se com a sua atividade” (p.100). Ele não só se comunicava claramente como também explicava o que estava fazendo. Ele chamou Abrão pra sair de Ur, mas lhe explicou o porquê disso e lhe deu uma promessa. Ele chamou Moisés para libertar o povo, mas explicou que estava formando uma nação.
Chamou o povo para sair do cativeiro, mas levantou os profetas para explicar o motivo do seu juízo sobre o povo. Deus falou ao povo literalmente por meio de palavras, quer tenha sido por profetas quer tenha sido por visões e sonhos. Como se isso não bastasse, o próprio Deus resolveu se revelar à humanidade em Palavra que habitou entre nós: o Logos de Deus. “Jesus é a Palavra de Deus que se tornou carne, a imagem visível do Deus invisível, de modo que quem o via, via o Pai.” (p.255). Lembro ainda da revelação Escrita de Deus ao seu povo usando palavras, antes faladas, agora registradas de forma visual. Mas qual a importância de Deus ter usado palavras para se comunicar ao seu povo e se revelar como Palavra Encarnada? O que aprendi com isso é que o pregador ao usar palavras para comunicar a Palavra de Deus tem o peso da grande responsabilidade de utilizar o mesmo método que Deus usou para se revelar, ao falar sobre a Palavra Encarnada revelada na Palavra Escrita. Para isso ele precisa escolher bem as palavras que usará para que a comunicação seja eficaz e o ouvinte entenda exatamente o que o pregador está querendo dizer. Isso me leva ao próximo ponto deste artigo.
Desde que comecei me interessar por missões transculturais procurei aumentar minha leitura na área da antropologia, e a possibilidade que o Evangelho tem de ser ensinado em cada cultura de maneira compreensível a ela me fascinou muito. Desde então tenho procurado, sempre que tenho oportunidade, apresentar o Evangelho de maneira tão pessoal para o meu ouvinte que ele não perceba a preciosa mensagem como estrangeira ou fora a sua área de conhecimento. Contextualização é a palavra certa para descrever isso e meu empenho tem sido, e continuará sendo, com que o Evangelho seja passado para os outros de maneira muito pessoal. Para isso tive grande inspiração ao ler algumas passagens do livro de John Stott. Ele enfatiza muito a necessidade da mensagem bíblica ser relevante para os ouvintes atuais.
Ao citar Loyd-Jones o autor diz que “a tarefa da pregação é relacionar o ensino das Escrituras com aquilo que está acontecendo em nossos próprios dias.” (p.160), ou seja, é imprescindível que os ensinamentos contidos na Bíblia sejam tão relevantes para os ouvintes atuais como o foi para seus ouvintes originais. Gostei muito da citação que Stott fez de Charles Spurgeon. Para o príncipe dos pregadores assuntos teológicos altamente debatidos em nossas igrejas não fazem o menor sentido para a viúva que tem sete filhos pra criar com a renda de seu trabalho de costura, nem para o homem de negócios que está vivendo em pecado, nem para o jovem estudante que está mais preocupado com sua nota baixa da escola. Stott é enfático: “É totalmente irrelevante.” (p.151).
Para que alcancemos este objetivo precisamos escolher corretamente as palavras que usaremos ao pregar. Para que o conteúdo de nossa mensagem seja facilmente assimilado pelos ouvintes. Stott coloca isso em alguns pontos dignos de nota. Inicialmente é preciso que a linguagem usada expresse exatamente o que queremos dizer, sem deixar margens para outras interpretações. Isso se aplica principalmente quando os ouvintes são pessoas de outra cultura. Devemos escolher as palavras mais simples e evitar os substantivos abstratos. Não devemos dizer diretamente como o ouvinte deve se sentir, mas levá-lo a sentir o que desejamos que ele sinta. Gostei muito dessa explanação, pois encaixa muito bem com a comunicação transcultural. Para que passemos alguma informação para pessoas de culturas diferentes da nossa precisamos ser o mais simples, o mais direto e o mais claro possível.
Apesar da necessidade de apresentarmos a mensagem antiga para um mundo atual e da importância de fazermos isso numa linguagem apropriada ao nosso público alvo, não podemos fazê-lo de qualquer jeito. Precisamos inicialmente descobrir que significado o texto pregado tem para os leitores originais e depois aplicar este significado aos ouvintes atuais. Caso o pregador queira tomar um atalho proibido aplicando o texto diretamente aos ouvintes sem descobrir seu significado original ele estará desonrando a Deus, abusando da Palavra e enganando o povo. São termos fortes, mas que expressam exatamente o que acontece com o pregador desleixado.
Quero ainda ressaltar o que o autor fala sobre as lentes culturais. Ele menciona que na explanação das Escrituras, dois mundos se encontram: o mundo bíblico e o mundo atual. Enquanto estudamos a Bíblia, nossa mentalidade ao lê-la está envolvida por nossos antecedentes culturais. Nossos pensamentos e atitudes errados moldados culturalmente são pouco a pouco iluminados pelo estudo da Palavra nos levando a assumir um pensamento bíblico. A Bíblia é supracultural, ela está acima de qualquer cultura e seus ensinamentos podem ser aplicáveis a qualquer cultura. Como candidato a missionário transcultural preciso entender que, ao expor a Palavra, ela será vista pelos outros através de suas lentes culturais, não necessariamente erradas. Por esse motivo, o que deverá ser ensinado a este povo é o princípio que a Bíblia quer passar e não necessariamente a minha forma ocidental de entender a Bíblia. Reconheço que esta é uma tarefa um tanto difícil que me exigirá abnegação de muitos pressupostos culturais pessoais meus para que a Bíblia seja ensinada de maneira culturalmente apropriada.
Para encerrar esta resenha eu gostaria de expor um pouco sobre como foi a ocasião da leitura deste livro e da grande lição que aprendi. Decidi dedicar um final de semana para ler esta obra, o tempo foi razoável para fazer uma leitura abrangente, porém não pouco profunda. Iniciei a leitura na sexta pela manhã e no domingo a noite eu pregaria na congregação da Igreja Batista Sião na ilha de Trambioca. Quanto mais eu me debruçava na leitura menos eu me percebia capaz de assumir o púlpito poucos dias depois. Como poderia eu, cheio de pecado, fraquezas e limitações desempenhar uma função tão importante quanto a pregação da Palavra? Essa pergunta não me saía da mente por um bom tempo durante minha leitura. O padrão para o pregador era muito elevado. Eu jamais estaria a altura de tal função.
Depois da Escola Dominical no domingo pela manhã li mais umas 80 páginas e deixei o livro de lado. Depois do almoço revisei o sermão por um tempo que eu iria pregar mais tarde e quando terminei essa tarefa tomei novamente o livro e comecei a folhear as primeiras páginas do capítulo sete. A essas alturas eu já estava angustiado por saber das minhas dificuldades e erros em minha vida e, mesmo assim, logo mais eu estaria à frente de uma igreja comunicando a mensagem que Deus tinha para o povo aquela noite.
Com toda essa luta em mente me deparei com a citação que coloquei no início do trabalho: “Certamente devemos reconhecer a verdade de que somos seres humanos com nossas fraquezas e nossa condição caída, vulneráveis à tentação e ao sofrimento, lutando com as nossas dúvidas, com o medo e o pecado, necessitados continuamente da graça de Deus que perdoa e liberta. Dessa maneira o pregador por continuar a ser exemplo – mas exemplo de humildade e verdade” (p.284). Isso veio como uma bomba de conforto ao meu coração, uma verdadeira explosão de suspiros aliviados. Eu não precisava ser um super herói que nunca errou para falar a um povo errante, eu não precisava ser alguém que estava acima da congregação por ter mais conhecimento da Palavra. Fechei o livro e orei pedindo misericórdia a Deus para que Ele me usasse naquela noite apesar de mim.
Essa foi a maior lição que tive para a minha vida ao ler este livro!
“Certamente devemos reconhecer a verdade de que somos seres humanos com nossas fraquezas e nossa condição caída, vulneráveis à tentação e ao sofrimento, lutando com as nossas dúvidas, com o medo e o pecado, necessitados continuamente da graça de Deus que perdoa e liberta. Dessa maneira o pregador por continuar a ser exemplo – mas exemplo de humildade e verdade” John Stott