spoiler visualizarWilson.Oliveira 23/07/2023
Muita especulação para pouco fato histórico.
Aprendemos na escola que os Romanov foram executados pelos bolcheviques em 1918, né? Não para Marc Ferro! Sim, ele mesmo, Marc Ferro, autor do clássico "Cinema e História". Ele não engoliu a narrativa canônica a respeito da chacina ocorrida em Ecaterimburgo.
Para ele, as vidas da tsarina e das suas três filhas foram poupadas a partir de um complexo jogo diplomático protagonizado pela liderança bolchevique e o Império Alemão, durante o final da Primeira Guerra Mundial.
"[...] os bolcheviques queriam evitar que os socialistas revolucionários de esquerda assassinassem a imperatriz e suas filhas e que, em conivência com os alemães, elaboraram planos para salvá-los. Essa hipótese, entretanto, não permite saber o que aconteceu à família imperial nesse meio-tempo e se somente Nicolau II foi executado" (FERRO, 2017, p. 83).
Marc Ferro foi um exímio historiador ao contextualizar a primeira parte dessa citação. Entre 1917 e 1918, os bolcheviques estavam longes de controlar as forças da Revolução, muito menos de neutralizar as forças militares e políticas da contrarrevolução, reunidas em um balaio de gatos denominado "brancos" ou "russos brancos". Para piorar, a paz de Brest-Litovsk era incerta e o apoio alemão, paradoxalmente, poderia beneficiar os próprios bolcheviques e aumentar suas chances de vitória na Rússia.
Contudo, Ferro não convence ao defender sua tese. Ok, há vários problemas com as fontes e os testemunhos a respeito dos acontecimentos em Ecaterimburgo, especialmente no que se refere à vulgata do juiz Sokolov ou aos exames de DNA realizados durante o início da década de 1990. Mas, o autor abusa da especulação e do uso de testemunhos indiretos, cujos relatos, majoritariamente, baseiam-se no "ouvir dizer" ou em rumores.
Entretanto, "A verdade sobre a tragédia dos Romanov" é um livro ótimo de ler e que provoca certa solidariedade com Nicolau II e sua família, prisioneiros dos bolcheviques e destituídos de toda sua dignidade. No ano do centenário da Revolução Russa, seus capítulos iniciais são um resumo histórico que descreve uma revolução muito mais complexa que a oposição entre "vermelhos" e "brancos", presente nos livros didáticos, sugere.
Apesar do seu caráter especulativo e não conclusivo, o livro de Marc Ferro lembra o leitor as razões para a História ser uma difícil e complexa forma de narrativa do passado.