Ivy (De repente, no último livro) 13/06/2018
Resenha do blog "De repente no último livro..."
Resenhado por Ivy:
Diários de Raqqa é o debut de um autor desconhecido, que usa de um pseudônimo para nos contar a sua história verdadeira, são os registros mais brutais de seu próprio diário, dos momentos angustiantes quando o Estado Islâmico / ISIS adentrou pela primeira vez em sua cidade, antes pacata e desconhecida, mas que logo tornou-se famosa no mundo todo como Raqqa, a "capital" do infame califado.
O autor, que nos escreve usando o nome de Samer, nos narra o dia a dia e as mudanças trazidas em sua vida e na vida das pessoas próximas à ele quando os terroristas declararam como deles aquele território. O que começou como uma revolução síria logo se viu manchado pela imagem cruel de um grupo que não distinguia idades, religiões ou caráter, mas tão apenas se focou em semear o caos e a destruição, usando como desculpa a religião do Islã. Samer nos conta em palavras breves porém cruas e sinceras como foi perder as pessoas próximas à ele, como foi testemunhar as brutais execuções orquestradas pelo grupo e como era realmente a percepção que as pessoas de Raqqa tinham do grupo e do mundo exterior que naquele momento bombardeava a cidade quase que diariamente.
Eu considero esses relatos, qualquer relato sobre a Guerra na Síria, como leitura que deveria ser estimulada no meio literário. Eu vejo as pessoas lerem e relerem sobre a Segunda Guerra, e em muitas resenhas as pessoas dizem o quanto "gostam" dos livros ambientados naquele período. A Guerra da Síria é um assunto de vital importância, não apenas para que alguém goste ou desgoste, mas porque é um conflito atual, que de uma maneira ou outra reflete na minha vida, na tua e na de milhões de pessoas.
A narrativa de "Samer" é muito simples, praticamente básica mesmo. O autor não fica poetizando e nem tenta polemizar, ele apenas nos narra a sua verdade, nua e crua. O importante aqui nesse livro não é nem analisar a narrativa de Samer, mas a veracidade de seu testemunho. Desde que começamos a ler as primeiras linhas dessas passagens escritas por esse jovem sírio, somos praticamente arrebatados para a sua realidade, porque é justamente através de sua simplicidade narrativa que entendemos o quanto tudo aquilo é real, e essa noção de estar lendo e revivendo a vida daquele garoto, é o que nos permite amar as páginas desse livro, pois o leitor entende de uma maneira quase que instantânea a dor e a perda que ocorreu nas vidas de "Samer" e de seus amigos.
O que ele nos conta é algo que supera qualquer livro de ficção ou suspense, é um relato tão verídico que fiquei me perguntando Como e Porquê o ser humano é capaz de agir com tamanha brutalidade. E eu acho que é justamente aí, à partir de testemunhos como este, que podemos compreender e "sentir na pele" a luta que vem enfrentando essas pessoas durante 7 longos anos (tempo aliás maior do que foi a Segunda Guerra Mundial).
Diários de Raqqa é um livro necessário e muito importante. É o retrato de uma realidade que vem afetando não apenas estes jovens sírios, pois o drama deles já tem reflexos fortes na Europa, nos EUA e até mesmo na América Latina, com o fluxo constante de imigração e refugiados. É um livro curto, que se lê em no máximo 2 dias, porém o impacto causado no leitor perdura até muito tempo depois da leitura.
As ilustrações são perfeitas para o livro, pois parecem mesmo parte das lembranças e rascunhos do próprio Samer e, mais uma vez, através da simplicidade de cada desenho podemos vislumbrar ainda mais aquele entorno difícil e inesperado no qual Samer e outros foram lançados.
Foi uma sorte encontrar este livro em português e o trabalho da editora ficou muito bom, reproduzindo com fidelidade o livro original. A capa, apesar de simples também, retrata com exatidão o abandono e o toque de aflição que acompanham a narrativa do autor.
Diários de Raqqa merece ser conhecido, merece ser recomendado e merece ser acolhido nas estantes do país. Aliás, esse livro merecia ser leitura nas escolas, pois considero seu conteúdo, atualmente, mais importante do que diversas obras inseridas na grade escolar (sem querer desmerecer os grandes clássicos do passado). Enfim, todos que puderem e se interessarem, leiam esse livro. Ele é bem rápido de se ler, possui ilustrações tocantes e uma escrita que fala cara a cara com o leitor, usando de poucas palavras e de uma grande intensidade de sentimentos.
site: http://www.derepentenoultimolivro.com/2018/06/review-207-diarios-de-raqqa_13.html