Clube do Farol 08/08/2022
Resenha por Elis Finco @efinco
Olá, faroleiros! Poucos são os livros que tratam de uma vertente religiosa diferente da Cristã. E esse livro aborda, a religiosidade afro. "Ah, mas é um livro de religião?". Não, de forma alguma. É uma fantasia que você pode - ou não - acreditar na parte religiosa. Contudo, já te aviso que ao começar o livro será impossível largar. A escrita da autora é fluída e a trama da história te prende demais. Já nos primeiros capítulos você é apresentado a toda a trama que envolve o título e esse mistério é prontamente respondido. Porém, e é este o brilhantismo da obra, outros mistérios são apresentados e os personagens que vão surgindo durante a história trazem mais respostas e também mais perguntas.
A história se passa entre dois planos: O espiritual Orun e o plano terreno, Aiyê. Abeni, reencarna como Julia; uma menina muito desejada por seus pais, que providenciaram tudo para que sua filha tivesse uma vida confortável e cheia de amor. Porém, para que sua mãe conseguisse levar a gravidez até o fim, os pais haviam recorrido à ajuda do senhor Lumumba, um velho africano, que entendia o Orun e tudo o que circundava o espírito da criança.
As crianças de Orun não se conformam com a não volta de Abeni; seu par espiritual Abasi sofre com isso, mas confia em seu acordo com Abeni. E eu sinceramente me senti todo tempo com medo do Eze, líder desse grupo, as atitudes dele - mesmo sendo o líder - me deixaram muito aflita quanto ao que ele poderia fazer para trazer a Abeni de volta.
No início, levei um pouco de tempo para entender o Orun e me adaptar aos nomes que cada personagem recebe em cada plano. Mas isso não atrasa a leitura, de certo modo te prende mais. Após o nascimento de sua filha, os pais, em especial Maurício confortado por ter a filha nos braços esqueceu o que o Lumumba havia lhe dito e acabou por ignorar os avisos. Porém a atitude de Julia, em relação aos colegas começou a chamar a atenção na escola, e também a causar incômodo e estranheza. E a situação começa a ficar cada vez mais grave, com a interferência de Eze e a busca de Sara e Maurício por descobrir o que estava errado com Júlia e nada fazendo sentido, deixando Sara cada vez mais aflita com o bem estar de sua filha.
Nos preparativos para o sétimo aniversário de Julia, Maurício reencontra Lumumba na rua, durante as compras, porém resolve mais uma vez ignorar os conselhos e palavras do velho sábio. Contudo os acontecimentos, durante a festa, o fariam repensar essa atitude. Dando mais crédito à profecia que fez sua filha ficar mais uma vez diante da morte. Nessa busca por ajudar sua filha, Maurício conhece Odara, a neta de Lumumba, que se compromete em continuar a ajuda oferecida por seu avô.
Nessa parte do livro mesmo, tentando não emitir nenhum juízo de valor, fiquei pensando se não foi "culpa" dos pais toda essa situação, porque, em buscar de realizar seu desejo de serem pais, forçaram uma situação, que, segundo conta a história não deveria acontecer. E que lutar para que o destino não aconteça é de certa forma desafiar o destino de cada um. Mas também pensei, bom agora a história acabou.. Ledo engano, parece que começa uma história ainda mais intrigante nesse momento.
Temos uma passagem de tempo, que nos leva 7 anos a frente, onde Júlia com 14 anos, onde sua facilidade com música preenche seus dias com a escola, seus pais também alcançam novos níveis na carreira profissional; aos 16, com a conclusão com louvor de seu ensino médio, Júlia vai para a faculdade e aqui uma grande mudança é percebida. A menina, então sozinha e isolada, passa a ter um grupo seleto, porém unido de amigos. E assim passamos a conhecer Décio, um rapaz gentil e alegre completamente apaixonado por Júlia; Leandro, o brincalhão, que com seu jeito leve e descontraído, consegue deixar ser o cima leve; Sofia a amiga invejosa e eu achei até meio peçonhenta da Julia; e Rodrigo namorado de Sofia.
O relacionamento de Sara e Júlia é cada vez mais destrutivo para ambas, algo não permite que elas consigam ser mãe e filha. E Maurício, mesmo tentando mediar a situação por ser mais próximo da filha, com o tempo e aparente calmaria começa a relaxar quanto as questões espirituais, enquanto Odara acaba seguindo seu destino profissional acabando por não perceber o que acontece nos plano de Orun. Com uma nova passagem de dois anos muitas coisas acontecem mostrando que podemos simplesmente seguir em frente, mas não lidar com as consequências de agir assim.
A partir daqui eu não posso contar mais sobre a história, mas posso dizer que a autora deixou tudo bem amarrado e resolvido, nenhum personagem ficou "abandonado" pelo caminho e sim a autora consegue surpreender com vários acontecimentos no final. Para mim o que mais marcou do livro são os trechos que falam de respeitar sua origem, suas raízes, evoluir, crescer sem deixar de aprender algo com isso, de ser e tornar o mundo um lugar melhor.
Termino aqui falando sobre outra edição linda da Selo Jovem, com uma capa que diz muito da história, folhas amarelas e fonte para uma leitura super confortável.
site: http://www.clubedofarol.com/2018/01/resenha-nao-quero-nascer.html