Gisele.Dalmolin 30/01/2020A observação séria de um crítico literárioJames Wood aborda as semelhanças da literatura com a “vida real” no livro “A coisa mais próxima da vida”, publicado em 2017 no Brasil pela SESI-SP editora. Na obra, o crítico literário divide em quatro capítulos algumas das palestras que ministrou na Universidade Brandeis (Estados Unidos) e no British Museum (Reino Unido). Sua paixão pela literatura e pela ficção parece ter começado desde muito cedo. Em “Por quê?”, Wood começa o capítulo lembrando sua história com a ficção: ele cresceu em um lar religioso, mas o lado intelectual foi mais forte em sua criação. Ao esconder seu ateísmo, James começa a entender como as mentiras funcionam no mundo real e também no ficcional. Nesse último, as mentiras “eram usadas para proteger verdades significativas” (WOOD, 2017, p. 16). Além disso, a ficção traz as ideias de crença no que sabemos que não é verdade, de compaixão por pessoas “não reais”, de roubo da privacidade dessas mesmas “pessoas”. Com essa pequena introdução, pode-se perceber de onde surgiu a paixão do crítico pela literatura.
O autor traz também a ideia de morte atrelada à ficção. Segundo ele, a vida inteira da personagem está dentro do romance: há um começo e há um fim da história. Com nós, seres “reais”, nossa verdadeira história só fica evidentemente exposta no momento de nossa morte, quando os convidados de nosso funeral relembram nossos grandes atos, nossa personalidade, momentos em que falhamos... Esses seriam os detalhes da trajetória de cada um, que só se tornam relevantes com o nosso fim.
Ainda sobre detalhes, em “Observação séria”, James Wood ressalta aqueles momentos que passam despercebidos aos olhos dos leigos, mas chamam a atenção do escritor. Nesse momento temos outra visão da morte: a morte dos detalhes. Com cada vez mais pressa, os indivíduos sem a veia artística estão tirando a vida das coisas mais banais, o que é resgatado pelos artistas. E aqui acredito que não se trata apenas do escritor: o músico capta os detalhes do som, o escultor destaca os detalhes da forma e o pintor se preocupa com os detalhes da cor. Os detalhes ganham vida novamente nas mãos desses seres artísticos.
Hoje crítico da New Yorker, James Wood dedica um capítulo à crítica literária em “Fazer uso de tudo”. A crítica acadêmica (que começou com a análise de textos religiosos) não pode ser vista como suficiente no meio literário, já que quem a faz geralmente não é o escritor. E quem melhor que um escritor para julgar o texto literário? A crítica exercida por escritores seria uma “redescrição”, quase uma reescrita do texto. Um músico não usa da música para fazer uma crítica. Os escritores fazem a crítica da literatura usando a própria literatura.
O autor traz o fato de a literatura estar se transformando em algo universal e global. O motivo apresentado em “Desabrigo secular” para essa globalização encontra-se na ação do tempo: “o grande deslocamento dos povos” da metade do século XX proporcionou a uma parte da população que seus laços com a terra natal fossem “afrouxados” (adjetivo graciosamente usado por Wood). Ou seja, todo o capítulo é dedicado à definição de lar para chegar à conclusão de que a literatura cada vez menos expõe os costumes de uma região, pois nos encontramos em uma era cosmopolita. O crítico realmente presta atenção aos detalhes, não só em relação à literatura, mas também à sua vida pessoal: são os detalhes da infância de Wood na Inglaterra e da vida atual do mesmo nos EUA que tornam a leitura do livro prazerosa na medida certa. Nos identificamos como leitores e percebemos que a literatura realmente é a coisa mais próxima da vida.