Augusto 27/04/2021
Terror cearense, sim, senhor.
Uma pequena cidade do interior do Ceará guarda segredos e mistérios.
Todos os dias, religiosamente à meia-noite, as fontes de iluminação da cidade se apagam. Não interessa se é um fósforo, um lampião ou uma lâmpada LED. Durante um minuto a população de Nova Jaguaruara permanece na mais absoluta escuridão. As inúmeras tentativas da companhia elétrica de sanar o problema deram em nada. Não há qualquer defeito na rede de distribuição de energia.
Os mais velhos recomendam: sair de casa nesses 60 segundos de breu é péssima ideia. Histórias de desaparecimentos inexplicáveis de crianças, adultos e idosos existem aos montes. Há fotos em murais pela cidade de pessoas que sumiram sem deixar vestígio.
Só crendice boba de gente de interior, correto? Você, uma pessoa esclarecida, homem ou mulher de pensamento científico, certamente não teria receio de contrariar os conselhos e andaria tranquilamente pelas ruas durante o tal minuto de trevas, não é? Não é?
Não sei se alguém que lê esta resenha já passou por isso, mas... sabe quando os adultos começam a falar sobre aquele tipo de história de arrepiar os cabelos? Na minha família, esse momento era seguido da inevitável sentença: "Passa pra dentro, menino, que isso não é história pra criança estar ouvindo. Depois não consegue dormir e fica aperreando a gente".
Pois é... só que eu era a criança que encontrava algum lugar por perto pra me esconder de modo a continuar ouvindo tudo, de olhos arregalados e coração acelerado.
"Nossa, que corajoso. Você não ficava com medo?"
Pfff, claro que ficava. E dava trabalho pra dormir e tinha pesadelos também. O pacote completo.
Mas por alguma razão eu adorava essas histórias e, sempre que podia, estava de novo tentando me esgueirar para ouvi-las.
Então até hoje, quase sempre que me chega às mãos um livro do gênero, sobretudo quando acompanhando de uma boa indicação, o recebo com entusiasmo.
A premissa do livro de Mauro Lopes é boa. Há personagens cativantes, um bom ritmo e o autor tem boa "pena". Senti falta foi de um melhor trabalho de revisão. Muitos errinhos que, em alguns momentos, podem incomodar um leitor mais chato... como eu. Esperava também encontrar mais frequentemente os regionalismos do meu Ceará.
O enredo não é linear e não há indicações prévias que sinalizem a quebra na cronologia da narrativa (como uma data no início do capítulo, por exemplo). Isso pode confundir um pouco de início, mas tendo sido percebido uma vez, não atrapalha.
Surpreendeu-me positivamente a decisão de abordar temas como alcoolismo, estupro, alienação parental, violência doméstica, etc. Pertinente e não soou como militância. Ponto para o autor.
Algumas... decisões criativas me desapontaram. Mas tentando pensar de forma mais imparcial, percebo que isso aconteceu em virtude da concepção prévia que tenho sobre Deus, anjos, demônios, etc. Minhas raízes estão fincadas na teologia cristã protestante reformada e, por essa razão, certos conceitos soaram meio absurdos. Mas sei que os demônios, por exemplo, são comuns a diversas religiões e muitas delas divergem sobre os poderes e a atuação desses seres no mundo físico. Então, o que me incomodou, talvez não pareça um problema para outros leitores. Afinal o livro não foi escrito "para Augusto".
Mas... seja por esse motivo ou por outro qualquer que me escapa, a história perdeu fôlego no terço final e terminei um pouquinho desanimado.
Ainda assim, no todo, uma boa leitura.