Vania.Cristina 28/03/2024
Quanto vale uma mulher? E quanto vale uma tradição?
Minha terceira autora nigeriana lida. Acho que agora fui mais fundo, porque Buchi Emecheta nasceu na década de quarenta, escreveu antes de Chimamanda e Adébáyo.
O tema principal é comum às três: as condições de vida da mulher nigeriana.
Emecheta nesse livro, fala da época em que a Nigéria era colônia da Inglaterra. A história tem início em 1934, com nossa protagonista, Nnu Ego, vivendo na cidade de Lagos. Depois, a narrativa volta no tempo para contar de onde veio Nnu Ego, quem era seu pai e quem era sua mãe.
Eles viviam na cidade de Ibuza, na Nigéria Ocidental. Área rural onde o homem branco não conseguiu se adaptar, e onde vivia a etnia Igbó, seguindo suas tradições ancestrais.
O pai de Nnu Ego era um poderoso e rico chefe local, que vivia com conforto e fartura, entre suas esposas, amantes e escravas. A mãe de Nnu Ego era a amante favorita do chefe. Só não era sua esposa porque o pai dela também era chefe local e queria que a filha lhe desse um neto homem, que levasse seu nome e continuasse sua linhagem. Permitia que a filha fosse amante de quem quisesse, mas não esposa. Desse relacionamento nasceu uma menina, não um menino. Como não era do interesse do avô, a menina, chamada Nnu Ego, cresceu com o pai, mimada e protegida por ele.
Quando as mulheres igbós chegam à idade de casar são negociadas em troca de um dote. E assim Nnu Ego teve seu primeiro casamento. No entanto, ela não conseguiu engravidar e passou a ser desprezada pelo marido e pela sociedade. Considerada defeituosa porque não conseguia ser mãe. Para protegê-la, o pai desfez o casamento, devolveu o dote, e para manter a moça longe da língua ferina do povo, casou a filha com outro homem, que morava bem longe dali, na cidade de Lagos.
A cidade é totalmente diferente do ambiente que Nnu Ego conhecia: área urbana em franco crescimento, com comércio forte, localização estratégica, abrigava diferentes etnias africanas. E em Lagos, os colonizadores ingleses eram presentes e reinavam.
O novo marido de Nnu Ego chamava-se Nnaife, e trabalhava lavando as roupas dos patrões brancos. Era um dos empregados da mansão, no bairro construído pelos ingleses para os ingleses. Os trabalhadores e suas famílias viviam em pequenas moradias dentro do terreno do patrão, ao lado da casa principal.
Nnu Ego sofreu um choque cultural. Não conseguia compreender aquele mundo, não conseguia respeitar aquele marido submisso ao homem branco. Ela estava acostumada com o patriarcado igbó, que havia abolido a escravidão por determinação do governo inglês. Mas aquela vida sem honra e dignidade também não era escravidão?
Esse novo mundo a obrigou a frequentar a igreja cristã e a viver sob a lei dos ingleses. Mas em Lagos Nnu Ego engravidou, tornando-se uma mulher de valor, segundo suas próprias tradições. Na verdade, segundo as tradições de Lagos também. Esta nova sociedade também era patriarcal, nela as mulheres também só tinham valor servindo a pais e maridos, que, no caso, serviam a homens brancos.
Uma vez mãe, a vida de Nnu Ego realmente será plena? Seus filhos irão sobreviver naquele mundo colonial, em tempos de recessão e de guerra mundial? Eles irão seguir as tradições e corresponder às expectativas dos pais, como ela teve que fazer?
O livro nos apresenta muito sobre a cultura e a história da Nigéria. É uma perspectiva importante, muito diferente da nossa em alguns aspectos. E muito parecida com a nossa em outros.
Ele me fez pensar em várias coisas... Deixo aqui registrada uma delas (uma viagem bem pessoal):
Não há cultura imutável, não há tradição inabalável, todas fluem e se modificam, na maioria das vezes de forma lenta e gradual. Mas há períodos históricos e lugares onde as mudanças são bruscas. Nosso ímpeto é o da sobrevivência. Algumas pessoas são guerreiras, outras só se deixam levar. Poucas sabem fazer a leitura do mundo, dos contextos e dos momentos. A meu ver, sobreviver, lutar e ler o mundo, são formas de desenvolver a resiliência, a consciência de si mesmo e a consciência sobre o mundo.
Em alguns momentos do livro, Nnu Ego é uma força nobre, amorosa e guerreira. Em outros, ela está lutando para compreender o mundo e as mudanças, mas nem sempre consegue. É difícil e sofrido questionar os valores das próprias tradições.