Ari Phanie 13/08/2020"Que maior honra pode haver para um mulher do que ser mãe?"Cuidado, podem ter uns spoilers, meu anjo!
Eu não posso dizer que As Alegrias da Maternidade foi um livro que me proporcionou uma experiência agradável e significativa. Na realidade, ele é de uma de uma dureza sem fim que dói e deprime. E que também causa uma raiva enorme. Eu não precisei me pressionar a ler porque na verdade, a Emecheta tem uma forma de contar a história que envolve o leitor. Mas se eu soubesse o quanto me angustiaria essa leitura, teria deixado de lado. Mas esse é um problema meu e vou explicar o porquê.
Tradições são os filhos do patriarcado; nenhuma tradição foi criada em prol da mulher. Elas servem apenas para beneficiar os homens. E esse livro é todinho sobre tradições, desde o começo com uma escrava sendo morta para acompanhar sua falecida "dona" negra (isso foi chocante para mim) até a última página com uma mulher que não pode descansar nem depois de morta.
A história se passa na Nigéria no final da década de 20, início da década de 30, e acompanha Nnu Ego, filha amável e carinhosa de um poderoso líder de aldeia. Como tinha de ser, Nnu Ego se casa cedo, e sua única ambição na vida é ser mãe porque só assim, ela se torna mulher, e só assim ela honra seu marido e consegue o respeito de sua família. Mas o caminho é tortuoso para Nnu Ego, e novos arranjos a levam a Lagos, lugar muito diferente daquele a que ela estava acostumada, mas onde acaba por finalmente realizar aquilo que tanto queria: ser mãe.
As alegrias do título, no entanto, são tão efêmeras que nem parecem ter existido de fato. A vida de Nnu Ego é um mar de cansaço, solidão, aflição e miséria. Ela não tem nada seu, nem ela própria se considera sua. Todo o seu ser é do marido e dos filhos, e ela só existe para cuidar deles. Deus, como essa realidade foi extenuante pra mim. Durante muitas partes do livro, eu quis chorar de raiva. Nnu Ego, além de ser vítima do machismo estrutural, é também uma reprodutora dele porque assim foi criada para ser. Felizmente, Adaku (a outra esposa do seu marido) é um contraponto; mulher que sabe que toda a dureza da vida recaía sempre sobre as mulheres, e elas precisavam ser exatamente como os homens necessitavam que fossem.
“Pode ser que você tenha razão de novo, esposa mais velha. Só que quanto mais eu penso no assunto, mais me dou conta de que nós, mulheres, fixamos modelos impossíveis para nós mesmas. Que tornamos a vida intolerável umas para as outras. Não consigo corresponder a nossos modelos, esposa mais velha. Por isso preciso criar os meus próprios.”
Além de falar de maternidade compulsória, a Emecheta também falou de temas como colonialização e racismo, tudo com em uma narrativa limpa, simples, e muito vívida, o que nos coloca muito perto dos personagens, principalmente de Nnu Ego, que algumas vezes me exasperava, mas que afinal, eu compreendia. Infelizmente, compreensão foi tudo o que Nnu Ego não teve. No fim, seus muitos filhos e sua família, tudo pelo qual viveu, não se importaram com ela da mesma forma que ela o fez. Não existiram nem mesmo as alegrias de uma velhice de descanso, como garantia a tradição. A mulher nunca viveu para si, apenas para os outros. E no fim, nem viveu, de fato.