Fernando Lafaiete 31/03/2018As Brumas de Avalon: Uma análise da obra que encantou gerações!Avisos:
1. NÃO possui Spoiler
2. Desculpem pelo tamanho da resenha, foi impossível escrever algo menor do que isso.
3. Não julgo religiões. Apenas não concordo com a visão que muitos possuem sobre o que deve ser visto como pecado. Neste aspecto concordo com o que a autora defende no romance.
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Ao iniciar a leitura de As Brumas de Avalon, as minhas primeiras impressões foram as piores possíveis. Achei a escrita pobre e o desenvolvimento precário. Sabendo que o clássico de Bradley tem uma importância enorme na literatura, não só me forcei a terminar o primeiro volume, como ao me sentir incomodado comigo mesmo, resolvi reler o primeiro livro segundos depois de terminá-lo. É importante ressaltar para os desavisados, que a obra-prima de Marion Zimmer Bradley não é um romance focado em batalhas, sistemas de magia e descrições minuciosas. A escrita da autora não tem como principais características descrições nem dos ambientes e muito menos no que diz respeito as características dos personagens. A autora tem uma escrita simples e ela apenas entrega o básico referente a estes aspectos narrativos e sua imaginação deverá fazer o resto.
As Brumas de Avalon tem como objetivo narrar a tão conhecida jornada do Rei Artur, porém através do ponto de vista das personagens femininas. Estas que são frequentemente negligenciadas pela maioria dos autores. Aqui a autora não apenas dá voz a quem raramente a tem na propagação dos relatos deste lendário rei, como dedica boa parte da história à estas mulheres poderosas e influenciadoras.
O romance lançado em 1979, tem como personagem central a famosa Morgana, irmã de Artur e sacerdotisa da misteriosa ilha de Avalon. Acompanhamos o nascimento de Artur e toda a profecia que o acompanha. Tudo se inicia quando Morgana já tem 4 anos e logo no inicio a autora já deixa claro que o destaque será Viviane, a Senhora do Lago e suas discípulas. Os termos Senhora do Lago e Merlim, são apenas termos que designam uma posição religiosa e política e não se refere a uma única pessoa como normalmente vemos em outras obras.
Se a obra não tem como focos aspectos tão amados dos amantes do gênero, então quais são os seus principais pilares?
A autora constrói uma trama focada no psicológico dos personagens e nos relacionamentos entre eles. Estes pilares irão se desenvolver para intrigas políticas e religiosas muito bem exploradas pela autora. A famosa obra e um dos maiores clássicos da fantasia, é uma história que apresenta manipulações sociais, políticas e religiosas. Todas essas arquitetadas pelas mulheres.
As personagens femininas são de fato incríveis. Morgana tem um desenvolvimento impressionante e é uma personagem humana em todos os sentidos. Ela se destaca do início ao fim de toda a jornada apresentada nos 4 volumes. Viviane, Morgause, Nimue são personagens empoderadas de maneira espetacular. Guinevere ou Gwenhwyfar (dependerá da tradução a qual você estiver lendo), esposa de Artur, é a personificação do fanatismo religioso e da hipocrisia religiosa. Posso, acredito eu, classificá-la como a vilã da obra. Ela é arrogante, preconceituosa, pecadora e ainda assim se julga no direito de julgar e condenar os outros. É Ela que molda muitos dos acontecimentos da história e é uma pessoa extremamente manipuladora. Detestei esta personagem? Com certeza. Eu a detestei tanto que não consegui sentir pena da mesma quando desgraças acontecem com ela.
As mulheres não são sexualizadas e os personagens masculinos não são desrespeitados pela autora. Tenho apenas uma ressalva referente ao rei Artur. Ele não é um personagem ruim, longe disso. Mas considerando o peso histórico que ele possui, achei o Artur de Bradley um completo idiota. Ele é uma marionete na mão da esposa e em nenhum momento toma decisões por conta própria. Ele é facilmente manipulado e por este motivo o considerei durante toda a minha leitura um personagem sem nenhum resquício de personalidade.
Marion Zimmer Bradley apresenta críticas pesadas à religião, em especial ao cristianismo. A autora não só questiona os dogmas religiosos, como em todo o momento reforça que a religião defendida pelos homens não passa de uma visão deturpada que é defendida e disseminada por pessoas preconceituosas. Inclusive, ela levanta o seguinte questionamento: Por que as mulheres precisam se calar diante dos posicionamentos masculinos? Tudo isso porque são vistas como sendo a imagem de Eva, a pecadora. O castigo as mulheres deve ser empregado pela eternidade. Elas precisam pagar pelo pecado que cometeram no início do mundo.
"As Mulheres precisavam ter um cuidado muito especial em fazer a vontade de Deus; porque foi através da mulher que a humanidade caiu no Pecado Original e todas deviam saber que tinham de trabalhar para redimir esse pecado no Éden. Nenhuma mulher com exceção de Maria Mãe de Cristo. podia ser realmente boa: Todas as outras eram más, nunca tiveram a oportunidade de ser outra coisa." (Página não mencionada porque li no Kindle)
A autora através de fatos históricos, claramente bem pesquisados, apresenta a "extinção" do paganismo e o domínio do cristianismo. A ilha de Avalon representa as religiões pagãs e a autora, que não se considerava feminista, relata a importância das mulheres na formação da Bretanha. Existem diálogos inteligentíssimos entre pessoas de ambas as religiões exploradas pela escritora. O meu deslumbre pela obra surgiu aos poucos devido ao desenvolvimento dado pela autora e nem tanto pela escrita.
As Brumas de Avalon apresenta também uma relação homoafetiva, envolvendo dois dos principais personagens masculinos. A autora também apresenta uma relação de homossexualidade feminina. Ambas as relações e os desdobramentos das mesmas são interessantes e inseridas de maneira bem respeitosa. Aliás, a autora também explora questões de incesto e estupro.
Artur, Mordred, Lancelote, Uriens, se destacam mesmo não sendo as vozes da narrativa. Bradley me conquistou pelo equilíbrio de gênero, coisa que não encontrei em O Rei do Inverno de Bernard Cornwell.
As Brumas de Avalon são as últimas histórias escritas pela autora dentro do que ela chamava de Ciclo de Avalon. O clássico em questão é antecedido por A Queda de Atlântica composto por dois volumes, Ancestrais de Avalon, Casa da Floresta, Senhora de Avalon e Sacerdotisa de Avalon. Não se faz necessário ler a obras em ordem de lançamento.
Avalon existiu?
Muitos afirmam que Glastonbury, uma pequena cidade do condado de Somerset na Inglaterra foi a misteriosa ilha. A pequena cidade ganhou esta fama em 1133, graças a uma colina que se encontra próxima dali e onde uma misteriosa árvore cresce. Árvore esta que muitos afirmam, inclusive a autora de As Brumas de Avalon, que era uma árvore que crescia apenas em Avalon. Pra quem está se sentindo perdido, esta é a árvore que Morgana enterra ao lado de um determinado túmulo no final do quarto volume. É nesta ilha também que foi construída a igreja onde teria sido guardado o Santo Graal 30 anos após a morte de Jesus. E foi também nesta ilha que em 1191, monges alegaram ter encontrado os túmulos de Artur e de Gwenhwyfar. Túmulos esses que se perderam ao passar dos anos. Acreditar ou não que Avalon existiu e que foi um dos locais o qual Jesus caminhou, dependerá da sua fé e no que você acredita. Confesso que independente do que eu acredito, fiquei bem curioso para conhecer esta pequena e misteriosa cidade.
É POSSÍVEL SEPARAR A OBRA DA AUTORA?
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Pra quem não sabe, Marion zimmer Bradley foi acusada pela própria filha de ser cúmplice do marido, que abusava sexualmente dos próprios filhos. Ou melhor, ela também foi acusada de abusar dos mesmos. Em 1964, Walter Breen, foi acusado, julgado e condenado por abuso infantil. Neste periodo ele ainda não estava casado com a famosa autora. Pouco tempo depois, ele se casou com Bradley, que aceitou o pedido mesmo sabendo de sua conduta. Em 1990 foi preso de novo, mas fez um acordo judicial. Em 1992, foi acusado de novo de assédio e foi preso morrendo na prisão em 27 de Abril de 1993. Moira Greyland, filha do casal afirmou que ambos abusavam dela e que ela foi uma das pessoas que o acusou formalmente na época de sua última prisão. Marion Zimmer Bradley, não só afirmou saber de tais abusos (não assumiu que também abusava da filha) como testemunhou a favor do próprio marido, apoiando toda essa sem-vergonhice. A autora ainda informou que mesmo sabendo que a filha era abusada, optou por não denunciar o marido porque o amava. Como autora eu a considero e muito, mas como pessoa eu a abomino. Não tenho como defender esse tipo de comportamento. Eu sou um leitor que consigo separar a obra da autora. E vocês? Conseguem passar por cima desta conduta e ler As Brumas de Avalon? No momento em que J. K. Rowling está sendo massacrada por manter Johnny Depp no elenco de Animais Fantásticos, considero hipocrisia detonar uma e relevar outra. Eu como sei separar as coisas, li a obra de Bradley e me surpreendi. Nota 9 pra autora e 0 para a sua conduta como mulher e principalmente como mãe.
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As Brumas de Avalon é uma jornada de aceitação espiritual, religiosa e de aceitação de gênero. Uma obra que explora bem as diversas facetas do amor que tanto julgamos. Julgamos o amor alheio por não conhecermos o seu surgimento. Amar não é pecado. O pecado quem faz somos nós, que julgamos os outros sempre nos baseando em uma doutrina religiosa deturpada pelo homem. Indico As Brumas de Avalon, mas saibam que é uma obra simples, profunda e reflexiva. Comecei a leitura com implicância por esperar algo épico. Terminei a leitura bastante pensativo e cheguei a me emocionar com o final, que achei excelente. Terminei a leitura convicto de que o que precisamos é de um Deus imune e livre de qualquer preconceito.