Retipatia 05/11/2018
Esperando na Plataforma 11...
Paulinho não é fã de praia. Talvez seja porque a areia incomoda e gruda em literalmente tudo e ainda queime os pés. Ou talvez porque o sol escaldante sempre castigue demais sua pele. São várias as razões, mas um único motivo faz todo o clima praieiro parecer mais ameno, ou, pelo menos, valer a pena. O motivo tem nome - ou apelido: Beta.
A jovem prende o olhar de Paulo à primeira vista e, porque não arriscar, o coração também. A cada verão, é uma nova chance de Paulo fortalecer a amizade, enquanto seus sentimentos por Roberta apenas crescem. A questão toda é que ele não deseja apressar as coisas. Ele bem sabe que sua amada é uma pessoa única e carismática. Tem tantas pessoas ao seu redor que precisa fragmentá-las em gavetas: amigos, família, ex-namorados... E, de uma coisa Paulo está certo, não quer fazer parte da gaveta dos amigos e, tampouco, da de ex-namorados.
Contudo, nem tudo é fácil. Paulo não é uma pessoa muito falante e, no tempo em que eles ficam distantes, é difícil manter o calor da praia através das vagas ligações telefônicas. O tempo passa e, conforme os dois crescem, seus sentimentos seguem a mesma trilha. Como nada é dito de maneira explícita, Beta se vê muitas vezes confusa e acaba classificando Paulinho em uma gaveta exclusiva: 'o que tiver que ser...'.
Depois de alguns nomes passarem tanto pela vida de Paulo como pela de Roberta, o dois finalmente tem seu sentimento revelado e os jovens se entregam ao amor.
O único problema é que a vida tem seu próprio jeito de seguir e, o que parecia ser a realização do amor tão aguardado precisa esperar. Roberta está envolta com o novo trabalho como comissária de bordo, que precisou aceitar para como ajudar nas finanças de casa e juntar dinheiro para conseguir cursar sua tão sonhada faculdade de psicologia. Paulo dedica seu tempo à exaustiva tarefa de estudar para o concorrido vestibular da Faculdade de Medicina que sempre sonhou. Entre ligações e cartas trocadas, palavras não ditas e sentimentos abafados pela distância, Roberta põe fim ao relacionamento.
Oito anos iriam passar, em que cada um segue sua rotina e Paulo junta os pedaços que restam de seu coração e foca em sua carreira como médico e na sua outra paixão, a musculação. Não seria outro dia normal de atendimento quando Paulo pega um prontuário se, antes de atender à paciente, é tomado por uma estranha sensação. Sua memória olfativa lhe desperta algo inominável, uma sensação do passado. Nem mesmo os longos anos de faculdade seriam capazes de lhe preparar para sua próxima paciente.
Para começar, talvez seja imprescindível dizer que este é um autêntico romance. Provavelmente após ler o pequeno resumo da história e da sinopse, isto já esteja claro, mas garanto que não é bem assim... guarde esta informação para daqui a pouco.
A história de Plataforma 11 nos é narrada quase em sua totalidade por Paulinho, desde o primeiro momento em que seu caminho cruzou com o de Beta. Em alguns capítulos intercalados, Roberta tem voz e narra algumas partes da história de seu ponto de vista. Esse enlace de narrativas que dialogam diretamente com o leitor não poderia ser melhor. Mantém certo suspense, já que, durante a leitura, a sensação foi a de que conheci Roberta antes de conhecer o narrador principal, Paulo.
Aqui preciso abrir um parêntese e dizer que me incomodei um pouco por demorar a conhecê-lo, mas depois que as janelas do passado foram abertas e a história avançou, especialmente por ler um pouco mais de capítulos narrados por Roberta, ficou impossível não compreender o personagem-autor de Paulo, seu modo de escrita e de contar a história.
Paulo é recluso em seus pensamentos, as palavras são um dos melhores jeitos que ele consegue se exprimir, assim como as expressões que esboça e que valem mais que palavras. Apesar de ser algo característico dele, acaba por ser um dificultador quando seu relacionamento com Roberta é obrigado a aguentar as duras penas da distância. Essa característica é ainda mais evidenciada quando colocada em paralelo com Roberta, que é aberta e comunicativa e que, ao contrário do amado, tem as palavras como uma das melhores formas de se expressar.
Mas nem de longe imagine que Paulo é um rapaz frio ou desatencioso devido a tal característica. Boa parte de sua introspecção é intrínseca à sua própria personalidade, a outra dose, vem das lições que a vida tratou de lhe ensinar logo cedo. Ele é meticuloso, não age por impulso. Como Beta o descreveria, tem uma alma antiga, que se revela em suas atitudes, gentilezas e, principalmente, na certeza que carrega no amor por Roberta. Um amor tão maduro - além do que habitualmente se esperaria para alguém de sua idade - que é capaz de, talvez, uma das tarefas mais árduas ao coração apaixonado: esperar. Nas palavras dele próprio, "o que tem de ser, tem muita força".
E, falando em força, vamos a Roberta. Ela é força. É quem mantém de pé sua família até nos momentos mais difíceis. Tem um coração de ouro, capaz de abrir mão de seus próprios sonhos e seguir por outros caminhos quando a vida assim exige. Tudo sem perder seu brilho, seu amor pela vida e toda a doçura e firmeza que a compõe. Além disso, ela tem um dos sistemas mais práticos e avançados de compartilhamentos de sentimentos em gavetas. Amigos em seus devidos lugares, famílias, trabalho, escola. Cada qual devidamente guardado quando necessário e, especialmente, ajudando-a a lidar com os problemas e a seguir em frente diante das dificuldades.
A linguagem do livro varia conforme seus dois narradores. Paulo tem um jeito "poético-objetivo" (desculpem-me a 'inovação' na conjugação de palavras), que ora pode lhe soar deveras formal e, ora, lhe derramar em um comparativo que se só esperava ler em poemas dos mais românticos. E, talvez por isso eu tenha me incomodado no início. Não conhecia Paulinho, não sabia que ele é tanto romance quanto formalismo, numa sintonia que é o balanço perfeito para o jeito carismático e aberto de Beta, que já tem um jeito narrativo um pouco mais brando, mas, ao mesmo tempo, marcante, que também é capaz de dialogar com sinceridade para com o leitor.
Lembra que lá no princípio informei que se tratava de um romance autêntico?! Esclareço agora, Roberta e Paulo estão narrando, em Plataforma 11 - Uma História de Amor... não um simples romance, mas a história de suas próprias vidas. A história desde que se conheciam como Paulinho e Beta. Daí a autenticidade. É impossível não suspirar ao ler e imaginar as cenas e acontecimentos do livro. A bem da verdade, é que a vida, para os dois, foi a mais melódica e perfeita imitação da arte. Teve seus enlaces e desenlaces, altos e baixos. Mas modelou com primor o que seria a definição do verdadeiro amor.
Durante a leitura, cheguei a pensar que o livro, especialmente na narrativa do Paulo, que talvez o livro poderia funcionar como um guia para o romance, porque ambos os narradores não se limitam a descrever acontecimentos, eles compartilham suas vivências com tudo o que elas trouxeram, com todos os sabores e dissabores que foram aflorados durante os anos em que se passa a história. Tal fato me pareceu estranho, a priori, mas logo foi desconstruído com o avançar da leitura e a medida que entendia o estilo da narrativa e a razão para ela ser desta maneira, contando uma linha temporal e, por vezes, se desviando dela para um comentário ou outro. E, após finalizada, só posso dizer que não haveria melhor modo em narrá-la, porque assim, há total verossimilhança entre o que é contado e as memórias do casal, sem serem atropelados os acontecimentos com descrições minuciosas como numa narrativa em primeira pessoa no tempo presente.
Ao fim, eu só tenho a agradecer a oportunidade pela leitura. A leitura foi rápida e prazerosa. O tipo que me deixou dias a fio com a história presa aos pensamentos e, com a certeza de que o amor existe para aqueles que o desejam, buscam e cultivam. Assim como Paulinho e Beta, que demonstram que amor é história contada e vivida a dois.
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