Livros da Julie 24/10/2021Um livro para se apaixonar por vikings, pela História da Inglaterra e por Bernard Cornwell!-----
"a lei (...) é o que nos torna homens sob os olhos de Deus, em vez de animais na lama."
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"cuidado com homens que só recebem ordens dos deuses."
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"Não se pode viver num lugar se as pessoas não nos querem ali (...) Ou matamos todos ou aprendemos a viver com eles."
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"Os homens tornam um reino forte, e não o ouro."
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"O destino é tudo"
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"Inicie seus matadores ainda novos, antes que a consciência deles cresça (...) e eles serão letais."
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"Em geral as pessoas acreditam nas coisas piores sobre as outras"
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"os padres nunca foram muito conhecidos por dizer a verdade"
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"Sempre me surpreendi com o esforço necessário para matar um homem. (...) Somos criaturas teimosas, grudamo-nos à vida e somos muito difíceis de matar"
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"A habilidade ajuda, e é bom ser inteligente, mas a selvageria vence."
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"a guerra tem a ver com comida. Alimentar homens e cavalos. Encontrar comida. O exército que come vence."
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"Os inimigos chegam logo na vida da gente (...) Você não precisa procurá-los."
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"Qual é o sentido de protestar quando a espada do carrasco está no meio do golpe?"
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"Já ouvi algumas mulheres reclamando que não têm poder e que os homens controlam o mundo, (...) mas as mulheres têm o poder de levar os homens à batalha e à sepultura."
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"a arte é arrancar o osso limpo do fato da carne podre do medo e das mentiras."
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"Os homens morrem (...) mas a reputação não."
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"A reputação faz o medo e o orgulho protege a reputação."
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"Vivemos, morremos (...) Não há música, apenas acaso. O destino é implacável."
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"Somos todos solitários e todos procuramos uma mão para nos segurar no escuro."
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O último reino é o primeiro livro da série Crônicas Saxônicas, lido junto com as @mafaguifinhos e @nleituras.
O livro conta a história de Uhtred, filho do nobre inglês que era dono de Bebbanburg, na Nortúmbria. Com quase 10 anos de idade, ele viu os dinamarqueses invadirem a Inglaterra e em pouco tempo se tornou órfão e refém. No entanto, ao invés de ser feito escravo, o menino foi tratado como um filho por um dos maiores guerreiros vikings da época.
Tendo passado sua adolescência junto a eles e aprendendo a amar seu modo de vida, Uhtred se sente cada vez mais dividido entre os dois povos, até que o destino se encarrega de fazê-lo jurar lealdade a Alfredo, rei de Wessex, o único reino anglo-saxão que ainda não havia sucumbido à invasão.
A história é relatada por um Uhtred mais velho, como se ele estivesse escrevendo suas memórias. Trata-se de um narrador-protagonista extremamente carismático, e serve com perfeição à finalidade de apresentar o verdadeiro foco desta saga, Alfredo. Um homem inteligente e estrategista, que soube costurar a unificação da Inglaterra, Alfredo foi o único rei inglês a ser chamado de "o Grande", como nos diz a ótima nota do autor ao final do livro.
Em referência à Crônica Anglo-Saxônica (um conjunto de manuscritos do século IX, os primeiros em inglês antigo) e com base em uma biografia escrita por um bispo contemporâneo ao rei, este romance histórico é um modo muito mais palatável e envolvente de aprender sobre os eventos ocorridos nos idos de 870 d.C. Não é comum termos obras que retratam uma época tão longínqua, o que demonstra o tanto que ignoramos do que já aconteceu à humanidade desde o seu início.
Naquele momento, a fé cristã já havia se difundido por intermédio dos romanos, mas o mundo ainda se dividia entre cristãos e pagãos. Os ingleses reconheciam o poder do extinto Império, se maravilhavam com suas construções e professavam sua fé, porém ainda havia uma forte conexão com as tradições ancestrais.
A todo momento o autor contrapõe a crença pagã e a religião católica, e sua crítica a esta última é mal disfarçada com muito humor e ironia. As religiões sempre ditaram regras e condutas e inúmeros dos principais conflitos se deveram à força da convicção dos seus seguidores e do fanatismo instigado pelos seus líderes até hoje. Muitos já mataram e muitos mais já morreram unicamente porque o ser humano insiste em crer em um ou mais seres superiores e lhes dá denominações diversas a depender de onde se encontra.
O livro destaca, aliás, o valor que o território pode assumir para um povo, frisando os diferentes pontos de vista de dinamarqueses e ingleses. É interessante perceber que aquele senso arraigado de pertencimento a uma terra se atenua. Ainda existe um certo apego à casa e à cidade onde nascemos e o sentimento de amor a um país ou nação, mas a facilidade de locomoção e a globalização nos dão uma sensação de cidadãos do mundo. É possível viver e ser feliz em qualquer lugar, a depender de nossa disposição.
Outro aspecto interessante abordado no texto é a baixa expectativa de vida dos homens e mulheres, que lhes dava uma noção de maturidade completamente distinta da atual. Crianças já tinham idade para casar, serem guerreiros ou reis. Adultos de 40 anos eram considerados idosos.
Com um estilo suave que muito me surpreendeu, uma escrita melancólica e nostálgica e descrições belas e poéticas (mesmo das cenas mais terríveis), Cornwell nos insufla a curiosidade e a vontade de nos transportar para aquele lugar e de testemunhar o que se passou com nossos próprios olhos. O livro é a viagem no tempo que o autor tornou possível, que nos permite mergulhar naquele universo e ter um vislumbre não só do cotidiano, da hierarquia, dos costumes, rituais, objetos, vestimentas e moradias, como também dos propósitos de vida de ingleses e dinamarqueses no período.
O último reino é uma história extremamente cativante que acompanha o crescimento e a formação de Uhtred e as consequências da invasão aos reinos anglo-saxões. É uma ode à batalha, à coragem e à vitória merecida. Um tratado sobre a guerra e um louvor à paz. O relato de pessoas que davam sua própria vida para defender aquilo em que acreditavam e aquilo que entendiam ser seu. É a crônica de uma época distante, mas que poderia tratar do nosso próprio tempo, pois algumas coisas não mudaram tanto assim.
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