jota 02/11/2017Era uma vez em Varsóvia...Ferdydurke não é o nome de alguém, de algum lugar ou de alguma coisa. Só é mencionado na capa e nos créditos bibliográficos, depois desaparece do romance publicado em 1937 pelo polonês Witold Gombrowicz (1904-1969). No entanto, esse mistério não impediu que o tcheco Milan Kundera sobre ele afirmasse que se trata de "Um dos principais romances do século XX." Para Susan Sontag, que escreveu o prefácio da obra, Ferdydurke é "Extravagante, brilhante, perturbador, audaz, engraçado... maravilhoso." Depois de minha experiência com ele poderia colocar mais um adjetivo nessa lista: desconcertante.
O livro começa com um toque kafkiano: como o Gregor Samsa de A Metamorfose, um homem de trinta anos, o escritor Jozio Kowalski, acorda numa terça-feira e vê-se transformado em um adolescente, que em seguida é raptado e levado para um colégio interno, que não é exatamente um modelo de estabelecimento de ensino. A partir de então acompanhamos suas tentativas de escapar desse pesadelo de olhos abertos, fugir dali, voltar à sua vida anterior. São episódios verdadeiramente quixotescos nos quais Jozio é envolvido.
Toda a sua aventura se passa de maneira alucinada, tudo nos é contado "através de uma narrativa pouco usual, marcada por uma linguagem semelhante à dos sonhos", conforme está assinalado na sinopse aqui no Skoob. E aí, de volta a Susan Sontag, ela nos lembra que Ferdydurke pode ser relacionado com as aventuras de Alice, a inesquecível personagem de Lewis Carrol. Há quem igualmente associe Gombrowicz ao conterrâneo Bruno Schulz, o autor de Lojas de Canela e Hospício, livros de contos pra lá de originais.
Admirado por John Updike ("uma das sátiras mais verdadeiras e engraçadas já impressas") e Ernesto Sabato (para quem Gombrowicz colocava em cena "os mais graves dilemas da existência humana"), Ferdydurke desconcertou os especialistas em literatura na época do lançamento e continua deixando desconcertados os leitores mais de setenta anos depois. Sobre o que seria esse livro? Continuando com Sontag, ela levanta a hipótese de que no fundo mesmo ele é sobre desejo sexual (sem que haja uma única cena de sexo na história toda, ela lembra) e imaturidade, mas tudo escrito em tom cômico e irônico, característica da literatura de Gombrowicz. É para pegar ou largar, divertir-se ou não.
Lido entre 21/10 e 02/11/2017.