Lia Gabriele 10/11/2015Horror e tragédia em Cashelmara“Os Senhores de Cashelmara” é um daqueles livros que você não entende por que não virou um clássico da literatura. Se eu pudesse arriscar um palpite, diria que foi uma mera questão de edição de texto. Explico: se Susan Howatch tivesse deixado de fora alguns trechos das primeiras três partes, é provável que sua obra se tornasse imortal.
Ainda que tenha ficado esquecido pela crítica, “Os Senhores de Cashelmara” é uma obra capaz de marcar a ferro a memória de qualquer leitor. Seus personagens muito bem construídos desfilam com uma riqueza admirável dentro de nossos olhos.
Um leitor mais atento sentirá um leve odor de tragédia ali pelo fim da terceira parte, a de Patrick. A partir daí, o mergulho às profundezas da alma humana começa, e é impossível chegar ao fim dessa queda ileso. Em um mar de tragédias e velhos ressentimentos, somos obrigados a fazer mais do que julgar. Quando o drama é tão doloroso, condenar não adianta muito.
Susan Howatch uniu com maestria criaturas e destinos improváveis. A autora tem o dom de levar o leitor às lágrimas com o mesmo personagem que trairá os sentimentos de quem segura o livro. Esse é o máximo que um escritor pode fazer: tornar um personagem belo e odioso na mesma proporção. Howarch é tão admirável que desfere olhares diversos à natureza humana, da mais vil à mais bondosa. Para ela, o bem e o mal podem residir na mesma alma, dilacerando a consciência de quem sente dois mundos dentro de si.
A obra é dividida em seis partes, cada uma narrada por um personagem diferente. Na metade em diante, ou um pouco antes, será impossível parar de ler. As reviravoltas são tão intensas e as revelações são tão brutais que impedem uma noite tranquila de sono. Há um desfile de assuntos delicados e que ainda representam um tabu na sociedade, como homossexualidade e frigidez, bem como diálogos ácidos e cruéis que nos fazem corar.
O sabor na boca é amargo após a leitura do final surpreendente. Talvez porque a aventura humana seja assim, de fato. Não há doçura possível ao cair dos panos quando a complexidade da alma humana é tão imensa.