Daniel 07/01/2019
O pássaro que dá corda ao mundo
O enredo gira em torno de Toru Okada, um rapaz aparentemente normal que vive com sua esposa, Kumiko, num bairro nos arredores de Tóquio. Um dia, porém, o gato do casal desaparece, e Toru sai à sua procura, desencadeando uma série de acontecimentos fantásticos e inesperados em sua vida.
Passeando entre o insólito e o surreal, Murakami cria um universo onde a lógica racional é distorcida; onde a realidade, tal como a conhecemos, é governada por forças desconhecidas em constante convulsão, o que confere à obra uma imprevisibilidade tipicamente kafkiana. Os personagens são jogados numa rede de mistérios insolúveis e situações inexplicáveis, que aos poucos se condensa e adentra os próprios sonhos e pensamentos dos mesmos, modificando o noção de real e irreal. Num jogo ambicioso, Murakami mescla o tom onírico típico de seus romances com uma série de flashbacks históricos bastante realistas, construídos a partir de fatos traumáticos da história recente do Japão, como a Segunda Guerra Mundial e a bomba (fatos que, conforme descobrimos nas referências ao final do livro, são baseados em fatos reais). Por trás dessa natureza de sonho, há ainda um simbolismo profundo, que parece girar em torno de certas figuras simbólicas, como agourento Pássaro de Corda (que nunca chega a ser visto, apenas ouvido). Sentimo-nos, assim como em Kafka, enclausurados junto com as personagens de num universo de incertezas, onde tudo aquilo que tomamos como certo e imutável se altera da noite para o dia, tal como é a própria vida.Temas como desejo, poder e livre-arbítrio permeiam toda a obra. Por fim, trata-se de um romance complexo, bem escrito e ambicioso, repleto de nuances pontas soltas, como labirinto borgiano que enreda o leitor até o fim. Uma fábula sobre até onde somos capazes de compreender os outros - e nós mesmos.