Lali Jean 05/09/2023
Corpo Gordo, Público, Solidão: genial escrita de R Gay
Demorou anos para reunir coragem para ler ?Fome: Uma autobiografia do (meu) corpo? de Roxane Gay. Na primeira parte do livro, vertigem. A vida sentida após um estupro coletivo. Pensei que ao ler as experiências da autora com a violência infligida ao corpo gordo seria, portanto, uma dor quase branda, familiar. É quando Roxane Gay me empurrou ladeira abaixo. É um corpo só, riscado do trauma, portador das mãos que escrevem, negado ao toque, ao prazer, sustentáculo da mente genial, um corpo que se fez gordo para se proteger. E é diferente do meu. No tamanho, na vivencia racial, na nacionalidade.
Será que consigo sequer falar sobre esse livro? E recuperar o fôlego para escrever?
Dia desses falava com uma amiga, tambem mulher gorda sobre o que é ser gorda desde a infância. Sobre em nenhum momento da vida ter a concepção de que seu corpo tem um valor e pode ser amado. Mas o texto de Roxane Gay mostra que talvez seja pior. Um dia você é alguém e no futuro está condenada ao corpo sem disciplina. O corpo que não cabe. O corpo que é espaço público ao passo que ninguém quer ter. Mas pra corpos gordos novos, adquiridos ou nascidos, não há trégua. Mas múltiplos caminhos de cura, que não estão, no que Roxane Gay me mostra, destinados no emagrecimento.
É preciso curar-se.
Trauma. Escrita. A tristeza cotidiana que é se relacionar com a comida. Quando seu corpo já diploma seu fracasso.
Pensei sobre representatividade. Se o prazer é se ver num texto. Se isso é só narcisismo. Ou se é um partilhar de uma solidão que por uns instantes deixa de ser singular. Acho que por isso escolhi essa página sobre exílio, solidão. Em dias terríveis, a autobiografia do corpo de Roxane fez companhia. Não me senti tão só.