Livros da Julie 11/01/2022O peso da espada e do destino-----
"o que mais os velhos têm, além de histórias?"
-
"nunca deve contar seus crimes aos outros, a não ser que sejam tão grandes a ponto de não poderem ficar escondidos, e nesse caso descreva-os como política ou ação de Estado."
-
"o serviço de um senhor era para com o povo que ele governava, e (...) o povo perdoaria muitos pecados do senhor enquanto ele o protegesse."
-
"eu roubo enquanto o dono está olhando e enquanto pode defender sua propriedade com a espada. O ladrão que rouba no escuro é que merece morrer."
-
"as fiandeiras do destino (...) Sabem tudo. (...) algumas vezes nos banham de sorte e algumas vezes nos condenam à dor e às lágrimas."
-
"O destino nos governa. Nossa vida é feita antes de a vivermos"
-
"sem juramento não somos melhores do que animais."
-
"por que o falcão deveria se incomodar com o ódio do pardal?"
-
"A covardia está sempre conosco, e a coragem (...) é meramente a vontade de suplantar o medo."
-
"Na batalha o homem arrisca tudo para ganhar reputação. Na cama não arrisca nada. O júbilo é comparável, mas o júbilo de uma mulher é fugaz, ao passo que a reputação é para sempre. Homens morrem, mulheres morrem, todos morrem, mas a reputação sobrevive ao homem"
-
"a verdadeira recompensa de um guerreiro não é a prata e o ouro que ele pode ganhar (...) e sim a reputação, e é por isso que existem poetas. Os poetas contam as histórias dos homens que defendem a terra e matam os inimigos da terra."
-
"a primeira notícia geralmente é a versão acreditada."
-
"É difícil obrigar a obediência sem encorajar o ressentimento"
-
"um homem não lidera permanecendo fora da luta."
-
"um guerreiro que não tem raiva não é guerreiro de verdade. A raiva é uma espora, um aguilhão, suplanta o medo para fazer o homem lutar"
-
"A luxúria é uma viagem a lugar nenhum, a uma terra vazia, mas alguns homens simplesmente amam essas viagens e jamais se importam com o destino. O amor também é uma viagem, (...) mas é uma viagem de contentamento."
-
"Um país é (...) a soma de todas as suas histórias. Somos o que nossos pais fizeram de nós, suas vitórias nos deram o que temos"
-----
A canção da espada é o quarto livro da série Crônicas Saxônicas, lido com as @mafaguifinhos e @nleituras.
Depois de ajudar a trazer estabilidade aos reinos de Wessex e Mércia, Uhtred aproveita a tranquilidade da vida de um guerreiro abastado, respeitado, temido e casado naqueles idos de 885 d.C. No entanto, a paz era um ativo incerto, pois as ameaças surgiam a todo momento. Dessa vez, na figura de noruegueses que chegaram em grande número à costa oriental e conseguiram tomar Londres.
O rei Alfredo tem consciência da posição estratégica da cidade e sabe que, além do prejuízo ao livre comércio ao longo do Tâmisa, a vinda de mais um grupo viking acabará desestabilizando o frágil equilíbrio de poder na ilha desde o acerto firmado entre saxões e dinamarqueses, pesando a balança para os nórdicos. Ainda ligado ao rei por força de juramento, Uhtred se vê novamente intimado a participar das campanhas que decidirão o futuro da Inglaterra.
O livro tem um ritmo um pouco mais lento no início, apesar de todas as batalhas que ocorrem já então. Mas a tensão cresce após uma grande reviravolta na última parte, que nos deixa de queixo caído e com o coração na mão. O final é absolutamente extraordinário, o mais angustiante e perturbador da série até o momento.
O autor faz a gente se questionar continuamente sobre conceitos como moral, ética, lealdade e justiça. O bem e o mal são noções relativas? O certo e o errado dependem de época e lugar? O ser humano costuma estabelecer linhas de ação a serem seguidas de acordo com a conjuntura existente e elas podem evoluir à medida que os contextos histórico, social, econômico e cultural se modificam. Ambos os avanços seguem em paralelo. Somos frutos do meio e o meio é fruto de nossa mentalidade.
O fato é que mais de um milênio nos separa dos eventos narrados e, portanto, estranhamos muitos dos comportamentos descritos no livro. Tentamos medir as atitudes dos personagens com nossa atual régua de valores. Vale a pena constatar nossa tendência a fazer comparações anacrônicas e também perceber quanto a sociedade progrediu desde então e o tanto que, em alguns aspectos, somos exatamente os mesmos.
Outro ponto abordado é o constante cotejo entre as condições das casas à época com o que existia quando o Império Romano ocupava a ilha. As construções romanas eram tão duráveis que há resquícios delas até hoje. Não é incomum que edificações e materiais antigos permaneçam intactos por muito mais tempo que os modernos. Nesse âmbito, parece que a humanidade desaprendeu muito de seu conhecimento.
Já as cidades começaram a mostrar os efeitos nocivos do povoamento desenfreado. Ainda não havia cuidados higiênicos e sanitários que permitissem às pessoas viver em um ambiente saudável sem o distanciamento e a renovação natural que o campo propicia. Os hábitos urbanos reforçaram a pestilência nas ruas, o que só viria a ser resolvido séculos mais tarde.
A violência é outro tema tratado nas Crônicas. A agressão contra as mulheres e crianças não apenas era habitual, como necessária para obtenção de obediência, segundo orientado pela própria religião. As lutas sangrentas e impiedosas transformavam-se em belas canções pelos poetas, que celebravam e eternizavam os heróis e seus grandiosos feitos, endeusando e espalhando a fama de pessoas não tão especiais assim, glorificando ações que, ao vivo, eram pura carnificina.
Assim era a vida de Uhtred, talhada pela força de sua espada e exaltada por sua extensa reputação. Ele tinha nítida consciência de sua habilidade física e tática e total convicção de que entraria em batalhas para ganhar ou, pelo menos, morrer tentando. Confiante e seguro de si, mesmo assim foi seduzido pela ideia de um poder ilimitado e um futuro suntuoso. Seu orgulho e sua infinita vaidade o levaram a acreditar em falsos profetas e em resultados milagrosos, mesmo sabendo que teria plenas condições de traçar seu próprio destino.
Mas e as fiandeiras? Já não está tudo escrito? Se há uma certeza na vida é que os sonhos são traiçoeiros, os sofrimentos, garantidos, e as mortes, inevitáveis. E mais: o sofrimento pela morte dos nossos sonhos é o mais dolorido e cruel.
site:
https://www.instagram.com/p/CYje8GJrhI-/