Rafael G. 23/03/2020
"Pretérito Imperfeito" é narrado por esse pai que faz uma adoção "à brasileira" - ou seja, sem passar por juiz de família. A criança foi entregue por uma mulher que ele e a esposa não conhecem, e um médico amigo assinou atestado de parto realizado em casa. Assim, o menino foi registrado como filho biológico e os pais escolheram o silêncio sobre como ele chegou à família (ainda que a adoção seja óbvia, principalmente porque o menino é negro). No entanto a relação, que começou afetuosa, preencheu-se de muita mágoa e rancor em virtude da dependência química que o garoto desenvolveu na adolescência. Ao elaborar sobre a paternidade fracassada (e sobre a falta terrível que constituiu o filho), o narrador de Kucinski investe numa voz ensaística e aciona diversos autores, como Freud, André Green e Baudelaire, produzindo uma constelação de reflexões.
O livro tem esse tom de aproximação preliminar, reflexão privada mas cheia de curiosidade pelo que há fora. O texto é direto e dispensa arroubos metafóricos, o que dificultou a conexão emocional. Me puxou pelo que tem de escrutínio, de tese, e por vezes me aborreceu pela mesma razão. Mas gosto da diversidade de registros: o narrador inicia o romance com uma carta, dirigida ao filho, na qual se retira das obrigações de pai, e passa toda a extensão das páginas justificando a missiva e examinando se é verdadeiramente possível levar à cabo tal decisão.
Não foi um romance memorável, ficou apenas no lugar do interessante. Difícil não comparar com "K." que, apesar de contar com a linguagem direta e as intenções ensaísticas, emociona, corta, dilacera, tenta plasmar o vazio que a filha do protagonista deixou - ao ser "desaparecida" pela ditadura. É um bom livro, percebo o diálogo com outras produções contemporâneas (como "A resistência" ou "Diário da queda"), mas apresenta continuamente o mesmo tom. Essa languidez possivelmente é proposital, tédio também é afeto e efeito, só não funcionou para mim.