João Guimarães Rosa Ficção Completa

João Guimarães Rosa Ficção Completa João Guimarães Rosa




Resenhas - João Guimarães Rosa Ficção Completa


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Leila de Carvalho e Gonçalves 21/12/2017

Edição Exclusiva
?Escritor mitológico, realista mágico dos sertões metafísicos, João Guimarães Rosa pretendeu vencer dentro de si o medo miúdo da morte. Num dos livros do escritor Pedro Bloch, um menino explica assim o óbito de um gatinho: ?O gato saiu do gato, pai, e só ficou o corpo do gato?. No dia 19 de novembro de 1967, três dias após tomar posse na Academia Brasileira de Letras, o escritor foi o gato da anedota: o Rosa saiu do Rosa, e só ficou o corpo do Rosa. Contudo, morreu Rosa? Chegou mesmo ?sua hora e vez?? Ficamos sem saber a travessia. Afinal, a obra segue viva e o seu poder encantatório sugere que, às vezes, os livros são maiores do que os próprios autores.? (Cláudio Soares, jornalista e estudioso de literatura brasileira)

Corroborando com esta ideia, no cinquentenário da morte do escritor, a Companhia das Letras resolveu lhe prestar uma homenagem, publicando sua obra ficcional completa, nada mais nada menos do que 2000 páginas ou sessenta horas de leitura.

Acondicionada numa caixa de papelão resistente, ela está reunida em dois volumes de capa dura, com páginas amareladas e boa diagramação. Cada um tem aproximadamente 1,4 kg, um peso considerável que deve ser levado em conta na hora da compra, pois também está disponível o e-book.

Em linhas gerais, esta é uma edição exclusiva que também contempla um esmerado projeto visual cuja cereja do bolo é o trabalho fotográfico da francesa Maureen Bisilliat. Realizado na década de sessenta, ele revela o cenário imortalizado por Rosa nos 9 livros de ficção, organizados na ordem cronológica de publicação. No primeiro volume, estão ?Sagarana?, ?Manuelzão e Miguilim?, ?No Urubuquanquá, no Pinhém?, ?Noites do Sertão?; já no segundo, ?Grande Sertão: Veredas?, ?Primeiras Estórias?, ?Tutameia? (?Terceiras Estórias?), ?Estas Estórias? e ?Ave Palavra?.

Quanto aos extras e textos de apoio, privilegia-se o essencial, isto é, Prefácio, Cronologia, Iconografia, Bibliografia e a poesia ?Um Chamado João?, de Carlos Drummond de Andrade. A boa notícia é que a literatura roseana possui um consistente material para estudo e desta lista, recomendo:
- ?Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai? (Vilma Guimarães Rosa).
- ?Folha Explica - Guimarães Rosa? (Walnice Nogueira Galvão).
- ?Genealogia da Ferocidade? (Silviano Santiago) sobre ?Grande Sertão: Veredas?.

Para encerrar, recorro aos amigos do escritor:
- ?A leitura de qualquer página de Guimarães Rosa é um conjuro.? (Paulo Rónai)
- ?A exuberância de linguagem, o regionalismo, o pitoresco, ele parte de tudo isso e consegue fazer uma coisa inteiramente nova.? (Antônio Cândido).
- ?Guimarães Rosa não facilitava a vida de ninguém. Ele queria que o leitor se dedicasse a entendê-lo. Ele exigia esse esforço.? (Antônio Callado)
- ?Uma das invenções mais surpreendentes de Rosa foi aquilo de falar "nesta outra vida de aquém-túmulo. O que eu não daria para ter fabricado isso!? (Manuel Bandeira)

Até a próxima!
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BetoOliveira_autor 31/05/2020

Literatura Rosiana
POR ONDE COMEÇAR A LER GUIMARÃES ROSA:
opinião, recomendações e impressões de um leitor leigo, embora beato do autor

?

Tudo em Guimarães Rosa tem primeiras, terceiras, quartas et cetera camadas. Para se ter uma ideia, há uma área de estudo da literatura rosiana que analisa exclusivamente os nomes que o autor deu às personagens de sua obra. Entender o significado oculto no nome deles é uma chave fundamental para a compreensão do todo da narrativa. Esclareço : tal profundidade é mais em meio acadêmico ou por estúrdios leitores viciados em criptografia e afins; artesãos no decifrar.

Essa riqueza de detalhe, essa brincadeira rosiana com a palavra foi num evoluindo e, me parece, o seu ponto de perfeição, o paroxismo, ocorre nos curtos contos (uns 40 e trestanto, além de excelsos prefácios itálicos) da obra Tutameia - Terceiras Estórias. Não sou um acadêmico em Letras e não leio literatura com um propósito de pesquisador, contudo, me parece evidente que a genialidade do Guimarães Rosa não tem paralelo na literatura nacional e, quiçá, no mundo.

Minha impressão pode ser que seja desprovida de argumento técnico especializado, sem comunhão de posições dos melhores e brilhantes críticos literários, entretanto, não há dúvidas de que o conjunto da obra rosiana compõe um projeto único, singular, extraordinário. Peculiar ao extremo. Machado de Assis defendia que a obra literária tem sempre um tom de plágio. As histórias seriam, portanto, recontada, em outra roupagem, por outro prisma. O brilhante Machado tinha essa visão e foi coerente com ela, e sua essência está em suas obras. Em Machado você vê reeleituras de Balzac, Flaubert, e tantos outros. Os temas são semelhantes ou circulam os mesmos territórios adjacentes. A ambientação é irmã gêmea dos europeus.

Em se tratando de João Guimarães Rosa, aí até as estrelas e o céu são diferentes. Não há "plágio bonus", não há precedentes, muito embora as referências literárias e filosóficas em milhares se fazem presentes, na superfície, nas entranhas e na borda do texto. De repente você, leitor atento, está lendo e vem à baila uma sua ilação : "Nossa, isso me lembra do Nietzsche."

É, em verdade mor, Nietzsche é muito em Guimarães Rosa, mas por lógicas do ethos rosiano. Não é que Nietzsche esteja nas entrelinhas na condição de protagonista referencial. Não, pelo contrário. Para mim, o Guimarães Rosa, homem erudito, dominante de mais seis línguas e "trestanto", porém, nascido numa vila do interior de Minas Gerais, tendo toda a infância e mesmo na sua fase madura, convivido com o homem singelo, com o vaqueiro, o sertanista e tais morros, e tais brejos e minerais, ele, João Guimarães Rosa, na altura de sua sapiência e experiência de mundos, quer mostrar que toda a sofisticada filosofia ocidental, produzida pelo homem da cidade, dá ciência e da letra, também é forjada pelo homem singelo e rude do sertão e do interior. Produz e experiencia as vastas sabedorias, ainda que este homem catrumano ignore tamanha proeza dele.

Veja só o que se descreve sobre as inconscientes (?) percepções do personagem Romão, do conto Reminisção, em Tutameia:

"Romão, hem, gostou dela, assaz descobridor. Pois ? por querer também os avessos, conforme quem aceita e não confere? Inexplica-o a natureza, em seus efeitos e visíveis objetos; ou como o principal de qualquer pergunta nela quase nunca se contém."

No final do parágrafo, ainda consta como a esclarecer o extrassensorial do caipira Romão. Eis que:

"Mas ele tinha em si uma certa matemática. E há os súbitos, encobertos acontecimentos dentro da gente."

Eu vejo, capto, "matematizo" igual ao Romão, por meios nem sei quais, que a obra do Guimarães Rosa tem muito de biográfico, isso é, muito do que ele coloca no papel não foi mera invencionice, mas algo, alguém, um acontecido vivenciado por ele, ou recontando para ele, ou ambos. Ele, mais (re)descobre do que inventa. Um inventar na reeleitura de lembranças com prismas aguçados, ampliados por seu "bornal" atolado de erudição colhida no ato de existir e se espantar com míseros detalhes, apreender o algo a mais das coisas, em quase voo de reminisção platônica.

Com tais considerações e sobejos pontos e vírgulas, recomendo, humildemente, o itinerário de leitura das obras do Guimarães Rosa, a saber, o ponto de largada:

Tenho para mim que o ponto de partida para ler a obra dele, evoluindo, na marcha progressiva do autor, de modo a facilitar a apreensão das peculiaridades do referido artista, sugiro que você inicie a jornada do leitor "no vale do Rio das Velhas, no centro de Minas Gerais". A dizer : comece pelo conto "O burrinho pedrês", do livro Sagarana. Não que os contos daa mencionada obra sejam desprovidos de polissemia, mas há um enredo mais palpável, de "velhaca" linearidade.

Bom que se diga, ler Guimarães Rosa é um exercício divertido, mas laborioso, exigente. Numa das tantas epígrafes do livro Tutameia, o Rosa nos alerta em citação filosófica:

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"Daí, pois, como já se disse, exigir a primeira leitura paciência, fundada em certeza de que, na segunda, muita coisa, ou tudo, se entenderá sob luz inteiramente outra."
(Schopenhauer)

Abaixo, um poético parágrafo do conto inaugural de Sagarana*:
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"Para ser um dia de chuva, só faltava mesmo que caísse água. Manhã noiteira, sem sol, com uma umidade de melar por dentro as roupas da gente. A serra neblinava, açucarada, e lá pelas cabeceiras o tempo ainda devia de estar pior." ? João Guimarães Rosa, no livro ?O burrinho pedrês". Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012

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* Pesquise como o autor criou o título do livro, "Sagarana". Guimarães Rosa foi um neologista de mão cheia. É prazeroso quando encontramos suas palavras fabricadas durante a leitura. A gente, em regra, fica em suspenso, pasmo; logo sorrimos, e nos projetamos para uma palavroteca. E aí começa a leitura interativa, 3D, triangular: a tríade autor-obra-leitor. A gente vai meio que fazendo uma autópsia da estúrdia, estranha palavra. Um novo mundo se abre diante da gente, e constatamos que, na praxe de compreensão do texto, acertadamente dizem os linguistas quando afirmam que a linguagem herdada é elemento limitante da nossa visão de mundo. Há que se alargar o pensamento, desbravar a potencialidade linguística. No parecer alfinetado do próprio Guimarães Rosa, carecemos de superar os "hábitos estadados".

Cada vez mais a brincadeira fica instigante: Letra por letra, cortamos o prefixo, separamos o miolo, e reservamos o sufixo. É um quebra cabeça invertido. Um desmontar. Ou, na lógica de uma pequena 'estoriinha' contada pelo Guimarães Rosa, nesses termos por quase: Uma criança vê uma casa sendo demolida, e comenta ao pai:
"Pai, estão construindo um terreno!"

Em desfecho:

?O idioma é a única porta para o infinito. Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço do infinito. Tudo é a ponta de um mistério. Ah, dualidade das palavras!?
Guimarães Rosa

Video sobre

https://youtu.be/ATVGyXXk_qA

Por Beto Oliveira
Instagram: @BetoOliveira_autor
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