Ricardo 27/01/2018
Nice Books - Medium
Existem livros bons, mas não podemos negar que existem livros que ficam na histórica e se tornam grandes referências em determinados assuntos. O título desse livro pode levar alguns a associar a obra de James Smith ao livro G. K. Beale “Você se torna aquilo que adora”, publicado também por Edições Vida Nova. Não necessariamente é uma releitura do trabalho de Beale, embora tenha muita ligação conceitual no que se refere as afeições humanas.
Eu diria que o livro de James Smith tem mais associação ao livro do teólogo presbiteriano Michael Horton “Simplesmente Crente”, que diga-se de passagem é um dos melhores livros dele.
Lendo o livro de Smith ouvia ecoar Santo Agostinho. Interessante que nessa leitura que acredito ter sido a melhor em alguns anos, minha mente começava a associar o conteúdo de Smith a uma galeria de escritores que li, como Lewis, Agostinho, Horton, Jonas Madureira, Beale, Keller, Edwards, Piper e outros mais que não consegui lembrar agora.
Smith tira o foco do homem como ser pensante, não que ele não seja pensante, mas sai de Descartes e volta a Agostinho, sai do conceito vigente de cérebros no palito e vai a questão das vísceras, ao kardia, as afeições. A base conceitual de Smith não é nova, ele sobe nos ombros dos gigantes, como disse, percebi muita gente boa ecoando nas palavras de James, mas, principalmente Agostinho e Edwards, embora não lembre se ele os cita muitas vezes, creio que não.
A questão dos hábitos é trabalhada de forma maravilhosa pelo autor, desfazendo conceitos errados sobre o tema e trazendo redenção para a temática. ele nos diz por exemplo:
O culto é o ambiente onde Deus recalibra nosso coração, reforma nossos desejos e reabitua nossos amores. O culto não é apenas algo que fazemos, mas é onde Deus faz algo a nós. A adoração é o cerne do discipulado, pois trata-se do ginásio onde Deus retreina nossos corações, p. 112.
Este trecho é um dos muitos exemplos do livro em que o autor trata da questão visceral dos amores, que não somos apenas máquinas racionais, somos amantes, nossas atividades e vida são manifestações das nossas afeições, dos nossos amores. Ao ler sobre tais conceitos também somos remetidos a C.S. Lewis, principalmente seu livro “Quatro Amores”. O ser humano é uma criatura amante e isso, é claro está intimamente ligado a sua estrutura adoradora que pode ser voltada ao Deus vivo ou aos ídolos, aqui por exemplo somos remetidos a G.K. Beale e a Tim Keller (Deuses Falsos).
Se o culto é o formador, não apenas uma expressão, então precisamos ser conscientes e intencionais com respeito à forma de culto que nos está formando. Isso possui mais uma implicação importante: quando você separa o culto da mera expressão, ocorre uma reorganização completa de seu entendimento de repetição. Se você pensar que o culto é um esforço de expressão, de baixo para cima, a repetição parecerá falsa e pouco autêntica. Quando você, porém, vê o culto como um convite para hábitos mais profundos, então a repetição parece totalmente diferente: é assim que Deus muda nossos hábitos. Em um paradigma de formação, a repetição não é insincera, porque você não está se exibindo, mas se submetendo. Isso é de suma importância, pois não há formação sem repetição. A formação de virtudes requer prática que não seja repetitiva. Abraçamos a repetição de bom grado, como algo positivo, em todos os outros setores da vida, p. 116.
Essas questão é interessante no âmbito da adoração, tanto na questão vertical como horizontal. Ao tratar da questão da submissão na repetição ou hábito, isso não fica resumido ao relacionamento do crente com a divindade, mas contempla ou vai até a comunhão da igreja, no canto por exemplo:
Cantem em conjunto. A combinação das vozes possui implicações importantes e implícitas para a promoção da harmonia em nossa comunidade. O teólogo e músico Steven Guthrie destaca que aprendemos algo sobre submissão quando cantamos. “Que tipo de submissão mútua ocorre numa canção?”, indaga ele. “Antes de mais nada, o canto em conjunto requer sincronização, todos permanecendo no mesmo tempo em relação uns aos outros. Os cantores se submetem juntos a uma cadência comum, a uma estrutura musical comum e a um mesmo ritmo.” Cantar em conjunto é um modo de uma equipe praticar harmonia, submissão mútua e sincronismo necessário à missão compartilhada da educação cristã, p. 214.
Sem dúvida, é de grande valor uma compreensão reflexiva do que Smith está dizendo aqui, é simplesmente sensacional!
Smith então expande a questão ao lar, aos hábitos familiares, sim ele nos surpreende nessas aplicações!
Como seria deixar os ritmos da adoração cristã comunitária definirem o tom da cadência cotidiana em nossos lares?
A adoração familiar será formadora conforme atingir nossa imaginação, não apenas nosso intelecto. Para realizar isso, essa adoração precisa lidar com a moeda estética da imaginação: histórias, poesia, música, símbolos e imagens. Tal adoração terá de ser palpável, tangível e encarnada. (Pense em todas as lições práticas do profeta Jeremias como modelo bíblico aqui). As crianças são animais ritualísticos que absorvem o evangelho em práticas que falam à sua imaginação.
Essa é uma razão importante para fazer da música um aspecto do culto familiar. Como frequentemente se parafraseia Agostinho teria dito, “aquele que canta ora duas vezes”. Há algo que opera na cadência de uma melodia e na poesia de um hino que faz o relato bíblico penetrar em nós de forma permanente, p. 176.
E com base em que Smith trata sobre essa questão da imaginação e na estética como moeda? A sacada é muito legal. Vou tentar explicar.
Nos sacramentos, batismo e ceia, temos meios de graça. Ali temos selo e símbolo que comunicam realidades espirituais. A pregação também é meio de graça, no entanto a pregação alcança-nos pela audição. No batismo somos alcançados e edificados não apenas quando recebemos a água, mas quando testemunhamos tal confissão de fé do batizando, somos alcançados pela visão, o batizando pelo banho. Na ceia, somos alcançados pela visão da mesa, pelo tato, quando pegamos os elementos, pelo paladar quando comemos e bebemos. Nossa imaginação é trabalhada pelo sagrado nesta hora. Cristo não é transformado nos elementos, mas está presente ali, há selo e símbolo, há presença, há imaginação direcionada pelo divino. Sim, a ceia é um belo exemplo de como a imaginação deve fazer parte dos nosso hábitos familiares, a criatividade deve fazer parte dos nossos hábitos.
Smith ainda vai além, trata da mesa de jantar. Relaciona esse hábito, essa manifestação ordinária da vida a ceia. Não que o prato de jantar tenha tamanha importância que a ceia tem, mas que a ceia pode nos ensinar algo sobre a importância desse hábito familiar. Ele faz um paralelo pedagógico entre a mesa do Senhor e a mesa de jantar. O símbolo, a imaginação, a espiritualidade, a comunhão, a aliança… uma abordagem muito criativa e edificante.
Bom, findo dizendo, leiam o livro. Há muito mais a ser degustado e refletido, aqui está apenas uma demonstração inicial do que é essa maravilhosa obra do filósofo James K. A. Smith.
Fico muito feliz em ver muitas publicações sobre cosmovisão sendo publicadas no Brasil, este assunto está na pauta editorial no momento e tem interessado o público brasileiro. Mas, ainda precisávamos de um livro sobre cosmovisão aplicada, que tratasse do coração, das afeições, precisávamos de um ajuste fino da questão na prática, “Você é aquilo que ama” é este livro.
(Por Thomas Magnum — Pastor, Jornalista, Casado com Kelly Gleyssy)
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