jota 26/08/2012Que reste-t-il...Siri Hustvedt, a autora de O Que Eu Amava, se põe no papel de um homem, Leo Hertzberg, historiador de arte nova-iorquino. Do mesmo modo que quase sempre ocorre nas histórias de Paul Auster (marido de Siri), também aqui os personagens são quase todos intelectuais, artistas, professores. E a maior parte do tempo a ação se passa em Nova York, igualmente o cenário de muitos dos livros de Auster.
Neste longo romance de mais de quinhentas páginas vamos acompanhando a vida de todos, sempre a partir da narrativa de Leo, casado com Erica, professora universitária, e pai do pequeno Matt. Ficamos sabendo muito acerca dos problemas de todos os personagens, suas alegrias e tristezas, do que fazem no dia-a-dia, enfim, da vida rotineira de cada um. Até as mínimas ocorrências são mencionadas, inclusive as que se passam com as crianças, dois meninos muito próximos (Matt e Mark, este o filho do amigo Bill), daí que o romance parece ser mais longo ainda do que realmente é.
Mas como a autora é talentosa, passamos (eu, pelo menos, passei) por todas essas páginas sem canseira, até com bastante interesse sobre algumas questões que os personagens tratam (muitas delas intelectuais e artísticas) ou de seus inter-relacionamentos. Nada de muito importante ocorre nessa primeira parte do livro, mas quando iniciamos a leitura da segunda parte, então, meus camaradas, vem a cacetada, a paulada, a tragédia em umas poucas linhas somos jogados dentro de um terrível drama familiar de comover até as pedras, que deve levar muita gente às lágrimas...
Mas tem mais sofrimento: se começa com um enorme drama, a parte dois termina com outro drama, depois de passar por vários, quase todos derivados daquele primeiro. Estamos falando de perdas: toda aquela felicidade rotineira de antes agora está suspensa (e talvez nem volte mais; e se voltar nada mais será como antes mesmo) e até certas formas de loucura ou paranoia tomam conta de alguns personagens ou casos complexos de terceiros são mencionados há várias referências a histeria, distúrbios alimentares e psicopatia.
Tanto na segunda quanto na terceira (ou última) parte do livro, mesmo com Leo continuando a narrar as histórias de todo mundo e a dele mesmo, o foco recai principalmente sobre Mark, filho de seu melhor amigo, o artista plástico Bill, que foi casado com Lucille (poetisa, mãe de Mark) e agora vive com Violet (pesquisadora de distúrbios mentais). Depois do próprio Leo, Bill e Mark ocupam muitas páginas do livro, personagens centrais que também são, ao lado de Matt, Erica, Violet e Lucille.
Mark tem um comportamento ambíguo, anda na companhia de drogados e gente pouco respeitável, mente descaradamente, rouba e também seduz mulheres e homens (não necessariamente sexualmente). E a terceira parte desta história se torna também num thriller não convencional - um artista plástico (Teddy Giles), amigo de Mark teria praticado um crime brutal; Mark estaria envolvido nele igualmente?
Temos então que a vida de todos mudou muito conforme os anos foram passando e as coisas acontecendo; as pessoas se tornaram outras ou então guardam dentro de si um pouco menos do que foram ou pretendiam ser. Muito do que Leo amava, também do que as pessoas próximas dele amavam, agora parece existir apenas nos recantos de sua memória. E, ao nos contar essas histórias todas, ele tenta desesperadamente dar um sentido a tudo aquilo que de mais precioso já possuiu na vida...
Bem, para não ficar apenas com minhas impressões, transcrevo as palavras do insuspeito escritor Salman Rushdie sobre O Que Eu Amava: [O livro] fascina, excita, perturba. Hustvedt é uma artista única, escritora de grande inteligência, de enorme sensualidade e com um dom mais difícil de definir, que eu só posso chamar de sabedoria. Está tudo dito, então.
Lido entre 20 e 26.08.2012.