Gustavo.Arnoni 10/12/2017
Contra o aborto - Francisco Razzo
O livro Contra o Aborto de Francisco Razzo trata de um tema contemporâneo polêmico e extremamente relevante. Mestre em filosofia, Razzo propõe fazer uma análise do aborto a partir de uma compreensão filosófica, com o intuito de achar um “chão comum” (realidade) que fundamente a discussão, para que se supere o campo das opiniões.
Divido em quatro capítulos, são vastas as referências aos teóricos pró e contra o aborto.
No primeiro capítulo, intitulado “Como o aborto deve ser debatido – e combatido” Razzo posiciona a discussão do aborto no plano moral. Não se trata, portanto, de uma questão, tão comumente disseminada, de saúde pública. “Aborto não é doença, mas decisão. Ninguém ‘pega gravidez’, afirma Razzo. Por ser uma decisão moral, o plano de discussão se encontra na disciplina filosófica. Sendo assim, inferências de dados empíricos para o plano de decisão moral é o primeiro tipo de embuste dos movimentos pró-aborto. O fato de morrerem mais mulheres pobres do que ricas ao praticar o aborto, não significa, não força a inferência lógica, de que se deve descriminalizar o aborto e considerá-lo imoral. Não se pode saltar do que é empírico (dados de diversas esferas do saber) ao dever ser (discussão filosófica). O segundo embuste dos movimentos pró-aborto é criar diversos rótulos para com os contrários a prática: religioso, sem respeito pelo estado laico, homem opressor, misógino. Como que se o fato de ser contra o aborto fizesse automaticamente alguém bater em mulher, negar seu direito ao voto e rezar na missa aos domingos.
Justamente para fugir desses rótulos – um tanto quanto falsos –, Razzo situa a discussão em plano filosófico. Qual é o valor absoluto, a liberdade ou a vida? Se for a liberdade da mulher para matar o feto, bem; se a vida estiver acima e for a própria condição de liberdade, então há um problema na reivindicação abortista.
No segundo capítulo, intitulado “Primeiro precisamos falar destas coisas: filosofia, retórica, democracia e violência”, o autor trabalha o problema do discurso da verdade (filosofia – Sócrates) versus o discurso retórico-linguístico (sofistas-Protágoras). Se no primeiro a busca é conhecer a estrutura da própria realidade, fazendo uso da razão, no segundo, dentro do qual a maioria dos defensores do aborto se inserem, a busca é apenas fazer apelos emocionais aos ouvintes para converte-los à sua opinião. A relativização da realidade por meio da linguagem gera um mundo de opiniões que pouco se liga com a justiça e o direito.
No terceiro capítulo, “Imposturas intelectuais e políticas: a propaganda pró-aborto”, Francisco Razzo retoma e aprofunda a ideia de que (1) o movimento pró-aborto apela mais aos sentimentos que à realidade e direito à vida, (2) a linguagem se impõe sobre a realidade, manipulando-a conforme o interesse de alguns grupos. Amparada por uma rede que envolve os mais amplos setores da sociedade civil e organizações (lucrativas, inclusive!), a discussão pró-aborto é mais, na verdade, uma propaganda pró-aborto. Pode-se notar isso nos debates sobre aborto. Tais debate que contam com a maioria esmagadora de palestrantes, plateia e debatedores com uma posição fixa pró-aborto. O debate é só propaganda. Uma tática presente é não chamar o embrião de vida, mas “amontoado de células” e outros termos para aliviar a consciência dos ouvintes e diminuir a gravidade da realidade. Razzo vai explorar as inúmeras contradições lógicas que surgem dessas propagandas, argumentos e movimentos, bem como a incoerência dos rótulos atribuídos aos que são contra o aborto.
Contudo, Razzo não fica apenas apontando contradições, mas constrói uma belíssima defesa da vida no quarto capítulo, intitulado “Contra o aborto”. Partindo da análise ontológica e antropológica, Francisco Razzo sinaliza John Locke como um dos causadores de problemas teóricos, isso ao Locke separar “vida humana” de “pessoa humana”. Consciente ou inconscientemente, muitos grupos pró-aborto partem de uma distinção desse tipo, ao afirmarem que a vida e o status antropológico se constituem quando o feto adquire alguma qualidade – como consciência, sistema neural, etc. Prontamente, Razzo aponta que isso se constitui em reducionismo teórico, gerando uma infinidade de outros problemas se levado, logicamente, às últimas consequências. O ser humano funciona em muitos aspectos da realidade (moral, psíquico, biológico), e identificá-lo a partir de um só gera reducionismos. A antropologia humana, que mostra que nossa pessoa está presente no fato físico, biológico, neurológico, psicológico, social, político, jurídico, etc., precede essas ciências, pois sem o fato antropológico sequer seria possível pensá-las. Se abortistas tendem a uma concepção filosófica reducionista, i.e, fisicalista-materialista, Razzo parte da ideia de que o universal, o fato antropológico, é pressuposto para pensar ciências particulares. Neste ponto recebe ênfase a ideia de corpo, mas em sua completude: material, orgânico e, sobretudo para a reflexão, intencional. A intencionalidade e vivência corporal eleva o debate a um nível não apenas de matéria orgânica físico-biológica mais. E justamente isso constitui o embrião como uma pessoa, uma vez que a realidade corpórea do feto é de natureza intencional e intelectual determinada no mundo. Com isso, Razzo desenvolve o argumento de que não é pelo feto desenvolver algumas qualidades que se torna pessoa. O raciocínio é o contrário: por ser pessoa, ter analogamente “substância humana”, é que seus direitos devem ser garantidos.
Dando prosseguimento, Razzo aborda a questão do feto ser substancialmente ou potencialmente humano. Argumentando sobre complexos dados filosóficos e biológicos, o autor vai mostrar que não é gradual a constituição da pessoa humana, mas um dado concepcional. O que é processo é o tornar-se pessoa adulta.
Tendo posto o valor intrínseco do feto, o autor analisará alguns argumentos sobre aborto no caso de estupro. Retomando que o feto é pessoa, seu direito à vida não pode ser colocado em discussão pelo sofrimento psicológico da mãe – e Razzo reconhece esse real sofrimento. O problema é que não existe um termômetro, ou “traumômetro”, e mesmo que existisse, o valor objetivo do feto não diminui por expectativas subjetivas. Vale ressaltar algo posto no início do livro, e aqui repetido: apesar do neném ser dependente da mãe, ele não se identifica com ela; ou seja, é distinto. Decorre que, ainda que a mãe não possa ser obrigada a cuidar e reconhecer a criança como filho, não obtém por isso o direito de abortá-lo.
Por fim, Francisco Razzo vai mostrar que desde a concepção o feto é um sujeito de relações interpessoais, não um objeto. Essa intersubjetividade impõe limites às descrições objetivas do mundo, “científicas” – lembrando que sempre nessas descrições existe um “eu” por trás. Essa subjetividade, esse “eu”, inclusive o fetal, não é acessível por meras descrições objetivas da realidade. O “eu” e o “tu” são anteriores a toda análise teórica. O embrião é um “tu”, já objeto de amor, não um “isto”. O embrião já é inserido na comunidade moral, chamado de “filho” e qualificando a mulher como “mãe”. O embrião é pessoa.
Com certeza o livro de Razzo é rico em seus apontamentos, argumentos e dados. É indispensável sua leitura para qualquer um que se interessar pelo tema do aborto e do direito à vida.