iambrunag 21/03/2024
Um tapa teria doido menos
Me senti devastada desde o início desse livro, desde o primeiro momento em que Elio me apresenta a Oliver, eu já sei que ele não vai ficar. É uma sensação sem respaldo em nada, e ainda assim quanto mais Elio me diz mais eu entendo a sensação. Já senti o mesmo desespero, o mesmo ciúmes obsessivo, a mesma indignação, a mesma resignação diante do fim. Poucas vezes senti meus próprios impulsos e pensamentos tão bem refletidos em um personagem, me identifiquei nos melhores e nos piores momentos, e me perguntei se estava fazendo algo certo da minha vida. Elio não perdeu Oliver sozinho, mesmo que por 20 anos “apenas”, todos nós perdemos Oliver. Todos sentimos saudades da camisa azul esvoaçante, dos óculos escuros, dos shorts de cores e personalidades instáveis. Amamos Oliver atráves dos olhos de Elio, e eu nao sabia se esse era o Oliver real ou a idealização dele. É assim na vida também, amamos o que idealizamos dos outros não a pessoa em si.
Eu gosto de como Elio pinta o Oliver para que meus olhos possam conhecer, as cores, a textura, simples como um passe de mágica e a memoria dele está lá de repente. Tenho certeza de que o conheço, eu poderia olhar para um penhasco qualquer e me lembrar da sua presença.
"Nunca imaginei que o tinha trazido até ali não só para mostrar meu mundo a ele, mas para pedir ao meu mundo que o deixasse entrar, para que o lugar onde eu vinha para ficar sozinho nas tardes de verão o conhecesse, o julgasse, para ver se ele se encaixava, para que o lugar o absorvesse, para que então eu pudesse voltar a ele e lembrar."
Sinto que Elio não quer so me mostrar a suas memorias, ele me convida a reconhecer o sentimento. Tem dias que eu entro em uma sala, ando por uma rua e me deparo com meus próprios fantasmas passando por mim, a memoria é uma coisa poderosa, a impressão imaterial que deixamos no universo, como nossa presença pode ser gravada no espaço tempo de outras pessoas. Eu entro na garagem da minha falecida avó e posso sentir o cheiro do frango caipira, posso ouvir o rádio a pilha tocando no quarto, a textura do sofá, a imagem dela sovando a massa caseira na mesa da cozinha… Consigo ver, sentir, quase tocar, mesmo que a casa já não exista mais por inteiro, sobrou so a garagem e saudade, o resto o tempo e o fogo levou. Mas como o Oliver permanece para sempre no Penhasco de Monet do Elio, ela também está la. Uma realidade que ja nao existe no agora, mas permanece nessa dimensão peculiar.
"Você está a milhares de quilômetros daqui, mas basta eu olhar para essa janela para pensar no calção de banho, na camisa vestida às pressas, e de repente você está ali, debruçado no corrimão, acendendo o primeiro cigarro do dia… vinte anos hoje. Enquanto esta casa estiver em pé, aquele será seu canto-fantasma… e o meu também, eu queria dizer."
Eu senti saudade de tudo e de todos. E o livro não é sobre o meu tudo e meus todos, mas é através da lente de tudo e do único de Elio que eu vi minhas dores refletidas. As minhas saudades foram contadas pra mim por um estranho, ainda não se passaram vinte anos pra mim, mas Elio me fez reconhecer o caminho com as migalhas que deixou.
"Vinte anos atrás foi ontem, e ontem foi esta manhã, e esta manhã parecia a anos-luz de distância. — Sou como você — disse ele. — Eu me lembro de tudo."
Foi a primeira vez que eu li a ultima palavra de um livro e imediatamente queria estar de novo no começo. Não canso da jornada, posso fazer isso pra sempre.