Thiarlley 15/01/2020
Mesclagem de ficção e história muito bem feita!
Quem me conhece sabe que eu gosto bastante de estudar histórias e de livros com essa temática. Tanto que os romances históricos/ de época marcam grande presença nas resenhas aqui do blog. A resenha de hoje é um livro ambientado numa época bem conturbada do nosso país e que muito pouco se discute ou se conversa de maneira rasa. Vencedor do Prêmio SESC de Literatura em 2017, estamos falando de “Última Hora” de José Almeida Júnior. Vamos de resenha?
O enredo se passa na década de 1950, durante o governo democrático de Getúlio Vargas, após quinze anos de governo Vargas repleto de golpes e medidas provisórias. Em 1950, Getúlio volta ao poder, desta vez, de maneira democrática e através do voto. A ideia de uma ameaça comunista perde força no Brasil após a entrega de Luís Carlos Prestes e Olga Benário ao governo nazista e o Brasil vive um momento nacionalista por parte de Vargas versus interesses internacionais por parte de seus opositores. Getúlio tenta conseguir o apoio do proletariado, dando mais atenção aos direitos trabalhistas.
O livro tem esse plano de fundo, tendo como foco a vida de Marcos, o protagonista, comunista e revolucionário ferrenho, que tenho como principal objetivo de vida a oposição ao Governo Vargas. Como já citado, os partidos comunistas da época perdem força com a morte de seu principal líder e Marcos, agora, trabalha num jornal pequeno, recebe pouco – e muito atrasado – tendo diversas cobranças por parte de sua família, já que falta comida na mesa e as contas só se acumulam.
Marcos recebe uma proposta de Samuel Wainer para trabalhar num novo projeto. “Última Hora” promete ser um jornal popular, apresentando os interesses do povo e para o povo; um bom salário, a possibilidade de crescer e ganhar ainda mais, a proposta parecia perfeita, se não fosse um não tão pequeno detalhe: O jornal teria apoio direto do Cadete, ou seja, seria um veículo voltado a apoiar o Governo Vargas.
Acompanhamos o desenvolvimento de Marcos e a sua luta interna: manter os seus princípios e continuar a dever ao mundo e fundo, perdendo o respeito de seu filho e tendo constantes brigas em casa ou aceitar o emprego, ascender financeiramente, resolver seus atritos familiares e jogar todos os seus ideais por água abaixo?
Simpatizamos com Marcos desde o início, principalmente diante de seus problemas financeiros versus ideais, uma coisa muito comum para nós, pessoas que precisam trabalhar para pagar suas contas e que, muitas vezes, engolimos muitos sapos no ambiente de trabalho a fim de manter as contas pagas. O fato do protagonista ser jornalista o fez próximo da minha realidade, também, pois já trabalhei numa emissora que ia, entre vários motivos, contra o que eu acreditava.
Porém, Marcos é um corrupto e porque não canalha. Ao longo do livro vai cometendo cada vez mais erros e tropeços, dizendo a si mesmo que o faz para manter sua dignidade. Todavia, apenas se envolveu em coisas grandes demais para que pudesse dar conta.
O que mais me encantou na obra foi a junção de ficção e realidade, dando-nos a impressão que Marcos foi uma figura pública de nossa história. Peças chave para a história brasileira como Getúlio Vargas, Carlos Lacerda, Samuel Wainer, Roberto Marinho e, até mesmo, o próprio jornal Última Hora, que de fato existiu, dão ao livro um ar histórico verídico incrível; é como se estivéssemos inseridos numa aula de história aprofundada, com os bastidores que culminaram em acontecimentos cruciais para o rumo do nosso país.
O livro tem leitura fluída, mas não é nada leve. Alguns trechos trazem memórias de Marcos, vividas durante a ditadura conhecida por nós como Era Vargas, e diz muito sobre o que acontecia àqueles que discordavam e se opunham ao governo de Vargas, com um flashback dedicado exclusivamente a um processo de tortura no DOPS. Particularmente, acredito ser o tipo de leitura mais do que necessária, diante da atual realidade política brasileira.
Afinal, é preciso conhecer nosso passado para que os mesmos erros não sejam cometidos. Como vi no twitter certa vez, “você olha os eventos do passado e utiliza para entender o presente e construir um futuro”.
O autor, José Almeida Júnior, é natural de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Reforço isso, pois precisamos creditar e dar voz para nossos(as) escritores(as) nordestinos. Temos muita história para contar e somos bons demais nisso.
Não é à toa que Almeida Júnior venceu um prêmio com este livro!
site: http://www.apenasfugindo.com/2019/12/resenha-42-ultima-hora-jose-almeida.html